quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Cartas de um Navegante: Panorama do RioFan - Parte 1

por
Corto de Malta


A algumas semanas aconteceu a segunda edição do Festival de Cinema Fantástico do Rio de Janeiro. Mesmo sendo um evento bem mais enxuto do que o primeiro, ficou marcado por uma grande polêmica devido a censura ao longa-metragem A Serbian Film - Terror Sem Limites. Mas o RioFan também trouxe ao grande público uma série de filmes muito interessantes.



Eu consegui assistir 10 desses filmes, incluindo um documentário e um curta animado. Isso não inclui nem o filme censurado, nem o grande vencedor popular, o longa-metragem A Mulher, e nem o filme de abertura, Aterrorizada de John Carpenter, que por sinal era pra ter sido a grande atração numa única exibição pra convidados, mas terminou ofuscado por A Serbian Film, que ironicamente nem exibido foi.


Tirando alguns problemas técnicos chatos, como interrupção da projeção por problema na cópia ou esgotamento de ingressos de filmes mais concorridos cedo demais, valeu muito a pena ter ido. Como eu disse, o evento foi mais enxuto, sediado todo ele nas pequenas, porém confortáveis e modernas, salas de cinema da Caixa Cultural, no Centro do Rio. Mas já valeu e muito a iniciativa, tanto da Caixa Econômica que patrocinou o Festival, quanto das produtoras Franco e Time Machine, que organizaram o RioFan. Afinal, já faziam TRÊS ANOS da primeira edição.

No geral os único problemas mais graves foram:

1 - O RioFan concorreu diretamente com um evento muito maior e mais abrangente, o Anima Mundi e deu pra sentir que isso esvaziou um pouco o primeiro nos últimos dias. Cagando uma regra a la Sidney Gusman, bem que podia haver um agendamento melhor pra ajustar esses eventos, até porque ambos tiveram participação e incentivo do poder público.

2 - Por conta da Caixa ter ordenado a retirada de A Serbian Film muito DEPOIS da programação ter sido divulgada, exatamente na véspera da exibição, organizadores e público ficaram meio perdidos. O fato de um oficial de justiça ter corrido pra apreender a cópia e impedir a exibição extra que o Grupo Estação quis fazer no ODEON também soou muito bizarro, como uma nota digna de figurar entre as mais insólitas cenas de terror, ficção científica ou realismo fantástico das obras apresentadas no RioFan.


Felizmente tudo isso pareceu ser compensado a grande parte do público com as Oficinas de Maquiagem e História do Cinema de Horror no Brasil e, claro, com a surpreendente qualidade da maioria das  produções em cartaz, algumas das quais que só chegarão por aqui em DVD e outras somente na locadora do Ultra mesmo.

No caso de A Serbian Film, vocês podem conferir uma crítica do L aqui.

Agora vamos a um panorama pra se ter idéia do que anda saindo de bom em matéria de cinema fantástico no mundo:




A Balada do Amor e do Ódio (Balada Triste de Trompeta) de Álex de la Iglesia.


No início da ditadura de Franco na Espanha, o garoto Javier vê seu pai, um humilde palhaço de circo, ser recrutado pela Resistência e preso em seguida pelo governo tirano. Após uma tentativa frustrada de fuga engendrada pelo filho, o pai morre e Javier torna-se um foragido após arrebentar o olho do general que cuidava da cadeia.

Anos depois, seguindo o desejo do pai, Javier torna-se um palhaço triste num circo servindo de "escada" para o palhaço-astro, o truculento Sergio, que apesar de ser um sucesso com as crianças, é um déspota e imoral com os colegas e a esposa, a belíssima trapezista Natália, por quem Javier se apaixona a primeira vista, num das muitas cenas emblemáticas do filme.

Após finalmente se vingar das humilhações de Sergio, Javier tem um reencontro com o general com consequências tão inesperadas quanto o dividido coração de Natália. Assim o triângulo amoroso de ódio e paixão passa a tomar contornos tão sangrentos e melodramáticos quanto esse turbulento período da vida do povo espanhol.

Um dos longas mais badalados do Festival, A Balada do Amor e do Ódio é um ótimo filme tendo a história da Espanha funcionando com uma importância bem maior do que mero pano de fundo (um dos personagens chega a dizer perto do fim: "Não fomos nós que acabamos, foi esse país que acabou!") mas seria bem melhor se entre a metade e o final o roteiro não desse uma volta enorme que termina dando um nó na cabeça do espectador.

As indecisões sentimentais de Natália, as alucinações de Javier (que por uns momentos parece que vai virar um vilão ensandecido pra em seguida retomar o status quo de herói trágico de novo) e as idas e vindas de Sergio (que por sua vez alterna a função de vilão e vítima pra vilão de novo) acabam cansando. O grande mérito de La Iglesia é a construção de lindas cenas poéticas até mesmo no limiar da violência gráfica, como o palhaço com facão a frente da tropa no início e a dolorosa morte do final. Aproveitem que o filme estreou em grande circuito nesse último fim de semana.






Cropsey de Barbara Brancaccio e Joshua Zeman


Este documentário começa focando a lenda de Cropsey, um suposto psicopata que viveria nas ruínas de uma instituição mental abandonada, Willowbrook, para em seguida abordar os crimes ocorridos em Staten Island, próximo de Nova York, entre os anos 70 e 80, que teriam sido cometidos pelo "verdadeiro Cropsey": Andre Rand, ex-funcionário da citada instituição.

Cropsey começa muito bem mostrando como Geraldo Rivera (rigorosamente o equivalente ao Ratinho dos EUA) fez fama mostrando o abandono e descaso com que eram tratadas as crianças com problemas mentais de Willowbrook, o fechamento do local que passou a abrigar muitos sem teto (em boa parte ex-funcionários e ex-pacientes que não tinham pra onde ir) ao seu redor, a disseminação da lenda de Cropsey entre as crianças, a angústia genuinamente comovente dos pais em cada caso de desaparecimento e as provas totalmente circunstanciais com que Andre Rand foi condenado pela justiça e pela sociedade... mas, infelizmente, isso não é o suficiente.

Moradores de Staten Island desde crianças, Barbara e Joshua claramente se deixam levar pelo redemoinho emocional gerado pelo caso e vão nitidamente se perdendo ao longo do caminho. Mesmo se debruçando sobre todas as possibilidades, não conseguem retratar tudo com devida profundidade. Pra começar, por compreensiva inexperiência em lidar com esse tipo de pessoa, tomam um baile na sua troca de correspondência com Andre Rand, o qual defendem durante 90% do filme, para no fim terminarem reconhecendo nele um homem perigoso capaz de matar crianças.

Que Andre Rand tem alguma responsabilidade nos desparecimentos, embora só tenha sido condenado por dois, fica evidente pelo grande acúmulo de "coincidências" que vão surgindo conforme sua história é levantada. O que de fato fica no ar e que o documentário falha em averiguar, é se ele não teve ajuda ou se não foi ele a ajuda para os principais culpados. Cropsey não consegue localizar nenhum outro sem teto que vagava pelo local, é absolutamente nulo ao investigar a suposta ligação entre a prática de satanismo da região e os crimes e nem sequer colhe a opinião do próprio Geraldo, que de certa forma deu início a tudo como registra um depoimento sobre a reação de Andre Rand ao rever a fita do programa de Willowbrook.

A própria lenda de Cropsey fica completamente de lado por mais de uma hora até ser retomada aos 47 do segundo tempo unicamente pra encerrar o filme justificando seu título. Apesar disso, ele tem o grande valor de mexer com o público o bastante pra fomentar uma discussão sobre um perturbador caso real.






O Ogro de Márcio Júnior e Márcia Deretti baseado na obra de Julio Shimamoto.


Um Cavaleiro atravessa uma noite tempestuosa para encontrar uma misteriosa criatura, mas no caminho encontra outro homem, que lhe conta a história de seu encontro passado com o mesmo monstro, com um final surpreendente.

A história de Shimamoto (que estava presente na sessão com os realizadores do filme), embora não seja muito original, é sucinta e direta o suficiente para um bom entretenimento, com destaque pra belíssima arte do desenhista. E Márcio Júnior e Márcia Deretti foram muito felizes na transposição da história para um curta-metragem. A animação é maravilhosa, com todo o grande trabalho em preto-e-branco de Shimamoto na HQ ganhando vida diante dos olhos dos espectadores.

A dublagem dos personagens (inclusive do Ogro) ficou OK e o resultado é uma animação 100% brasileira de dar gosto de assistir.






A Noite do Chupa-Cabras de Rodrigo Aragão


Douglas retorna a sua terra Natal com a esposa grávida e revê sua família, os Silva, ainda em pé de guerra com a Família Carvalho, num confronto sangrento de anos motivado por uma disputa de terras que culminou numa misteriosa morte nunca explicada. Porém, algo mais sinistro espreita cada vez mais a região e só o pai de Douglas percebe essa monstruosa ameaça.

Infelizmente, ele acaba sendo vítima dela, o que por um mal entendido alimenta ainda mais o ódio e a violência entre as duas famílias que só vão párar quando perceberem tarde demais que ambas estão encurraladas pelo mesmo algoz escondido nas sombras da noite, entre os vários enigmas da mata: o Chupa-Cabras.

Vindo do sucesso de Mangue Negro, Rodrigo Aragão esteve pessoalmente com a sua equipe no RioFan para lançar a Noite do Chupa-Cabras, alguns curtas produzidos por eles e também realizar um oficina de maquiagem. O sucesso que o longa-metragem fez com o público do Festival é mais do que merecido. Aragão criou um autêntico exemplar do cinema de terror brasileiro, mantendo com honra a tradição do genêro.

Cenas como a do vômito no bar ou da matança estúpida e desnecessária remetem ao mais puro trash nacional. Até alguns detalhes que poderiam soar gratuitos numa visão superficial, como a participação especial um tanto avulsa do Velho do Saco, estão ali pra compor o panorama folclórico de mitos do interior do Brasil, fonte da qual o nosso Cinema de horror sempre bebeu. A maior qualidade do filme é a força de sua caracterização e talvez o melhor exemplo disso sejam os personagens. Mesmo com duas famílias numerosas em cena, o registro visual e de personalidade de cada um é tão bem executado que em momento algum o público confundirá um com o outro.

O visual do Chupa-Cabras, remetendo a uma criatura aquática e com ecos de Monstro da Lagoa Negra, também é destaque. Embora deixe a desejar a ausência de uma mitologia e de uma narrativa mais trabalhada em torno do mistério do monstro que dá nome ao longa-metragem, A Noite do Chupa-Cabras é mais uma obra de dar orgulho pros cinéfilos brasileiros.



NA SEGUNDA PARTE:

Lovecraft!
Nindjá!
Rock'n Roll!
Horror Cósmico!
E uma Bizarra Viagem no Tempo!




Um comentário:

Evandro Sal disse...

É nestas horas que me dar vontade de morar perto desses grandes centros urbanos. afinal ter a oportunidade de participar desses eventos é unica... e para nós do norte do pais só temos que esperar que pessoas ativas nos presentei com essas materias divulgando-os, afinal a midia se preocupa somente com traficantes de morros.

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