quarta-feira, 27 de julho de 2011

Climatinê: A Serbian Film - Terror sem Limites

por
L

Tudo em "A Serbian Film" poderia ser perdoado... Exceto a falta de criatividade



Sinopse

Miloš é um ator pornô aposentado, casado e com um filho. Para garantir a estabilidade financeira da sua família, aceita uma oferta apresentada por sua ex-colega de profissão Lejla para estrelar um "filme de arte". Vukmir, o diretor, quer Miloš no elenco para aproveitar sua capacidade de manter uma prolongada ereção sem estímulos físicos nem visuais. Porém as coisas começam a sair um pouco de controle.


Sobre a polêmica com o governo

Em “A Bela Adormecida”, uma bruxa joga uma maldição na recém-nascida princesa, dizendo que ao tocar na roda de um tear, cairá em sono profundo e jamais acordará. Como pai preocupado, o que o rei faz? Manda destruir todos os teares do reino. Mas mesmo assim, Aurora acaba espetando o seu dedo. Tivessem seus pais conversado 15 minutos com ela e dito para nunca tocar num tear, nada disso teria acontecido. E assim é o nosso querido governo conosco. Proibir em vez de aconselhar.

Em Mandala, novela de 1987 da TV Globo, Édipo e Jocasta (Felipe Camargo e Vera Fischer) se beijam sendo mãe e filho (ainda que não tenham conhecimento disto). A censura tentou vetar, alegando que os telespectadores se sentiriam ofendidos, mas a vontade da Rede Globo prevaleceu.

Porém, o mais curioso é que em "Amor Estranho Amor", a então desconhecida Xuxa, com seus 16 anos, protagoniza cenas eróticas com um garoto de 9 anos. E o filme foi para os cinemas brasileiros em 1982, e a censura pelo jeito não estava nem aí. Tanto que anos depois, Xuxa só conseguiu retirar as cópias das locadoras por uma brecha legal em que ela permitia apenas a exibição nos cinemas, não em vídeo, ou seja, não foi ajudada pela censura.

E é baseado nestes precedentes que digo que “A Serbian Film”  tem sim suas cenas fortes, que podem indignar muita gente. Mas mesmo na época mais severa da censura, esta não se intrometeu tanto quanto as medidas recentes. Isto é, levando-se em conta que algum de nossos políticos ou juízes realmente viram o filme ou se apenas se basearam em impressões de terceiros.


Crítica

Na verdade, “A Serbian Film” já está há algum tempo na “locadora do Ultra”, mas nunca me chamou a atenção. A única coisa que me fez querer assisti-lo foi justamente a polêmica da proibição do governo. E claro, para opinar eu precisaria assistir.

Já que o filme é cheio de imagens grotescas, fiquemos com uma bonita.

Confesso que fui esperando o pior. Não em termos cinematográficos, mas em se tratando de situações revoltantes. Cenas explícitas de pedofilia (o que não acontece, podem ficar menos preocupados), cenas reais de violência, do tipo snuff films (aquele em que ocorrem torturas e assassinatos reais). Mas se formos lembrar o que citei acima, não há motivo para controvérsia, ainda mais em se tratando do que já vimos no Brasil.   

Devido ao que falaram do filme, estragou-se um pouco da surpresa. Mas podemos acompanhar Milos em sua aposentadoria, com seu filho e sua linda esposa. Porém o dinheiro vem ficando escasso, e uma amiga sua dos seus tempos de pornô oferece-lhe um trabalho com pagamento excelente, mas sem grandes detalhes. Logo conhecemos Vukmir, um admirador de Milos que quer fazer um filme pornô artístico, mas sem revelar muita coisa.

O engraçado é que o filme segue um passo lento, talvez devagar até demais no começo. Mas isso acaba sendo bom, pois cria uma atmosfera de suspense. Creio que por lembrarmos que o filme foi censurado em muitos países, sabemos que algo acabará acontecendo, e isso causa apreensão. Mas não devemos tirar o mérito da trilha sonora que contribui e muito para o clima sombrio. Pode lembrar um pouco “De olhos bem fechados”, com Tom Cruise vagando sem rumo, e mesmo assim com um clima de suspense.

Infelizmente, é a partir da metade do filme que começam os erros. O foco parece mudar completamente, e tudo parece corrido, com uma ação desenfreada. O que é curioso, já que muitas vezes quando não acontece nada é que pode-se dar os maiores sustos. Sem contar na mudança de personalidades, principalmente Vukmir. Vukmir deveria ser um dos alicerces do filme, um personagem denso, mas que não consegue superar muitos vilões da Disney. É incoerente, já que deveria amar a arte acima de tudo (por mais doentia que possa parecer) e tentar conduzir o herói, no caso Milos, à perdição (ou à loucura). Mas acaba apelando para o caminho rápido e fácil, justamente tudo o que ele tanto critica.

E o próprio filme acaba se perdendo. O que parecia um suspense com o sexo como pano de fundo passa a ser um reles torture porn, um terrorzinho bem mequetrefe comparável à “Doce Vingança”  ou ao rei do gênero “O Albergue”.

Claro, o filme também tem seus pontos fortes. No caso, chocantes. A cena do newborn porn é impactante e bem realizada. Chocou e causou muito mal-estar, sem precisar explicitar imagens, apenas usando o som. O final é bem controverso mesmo, mas devido a toda a polêmica deixa de ser surpreendente.

Algo que tira um pouco a graça é que tudo no filme acaba sendo justificável, “perdoável”. E por isso brochante. Imagine que você assistisse um filme, e no final tudo não passasse de um sonho? Por isso digo que o pior defeito do filme é sua falta de ousadia, seu contentamento com a polêmica apenas pela polêmica e a falta de pelo menos tentar inovar e criar algo novo, conseguindo chamar atenção apenas aos burocratas e guardiões da moral e dos bons costumes de plantão.

Uma das cenas de maior controvérsia

O que eu mudaria?
 
No começo do filme, Milos vê uma loira (muito bonita por sinal) com seu marido e filha. Fica a impressão que depois ela terá alguma importância no filme. O que não acontece. Mas fiquei pensando que seria bem pesado de misturassem ficção com realidade e a mesma loira estivesse amarrada e dissesse que “foi apenas contratada para fazer uma ponta no filme, aparecendo como mãe de família, etc...”, gerando a dúvida se seria um snuff film ou não. Ah, e claro, a câmera também mudasse para estilo “Cloverfield”. Embora isso não seja nada original, vide “Cannibal Holocaust” (ou melhor, não veja).

Outra abordagem seria não deixar claro que o que Milos fez fosse justificado. Até mesmo porque, no começo do filme, Milos parece ter certos rompantes de loucura como que incorporando seus personagens pornográficos. Mas nada disso é explorado.

Se a intenção do diretor era fazer uma metáfora da própria história da Sérvia, deveria ser mais específico, já que eu mesmo não entendi. E se era essa a intenção, por quê não mostrar as imagens reais dos crimes sexuais cometidos no período de guerra da Sérvia?


Prós

- boas atuações
- ótimo som
- bom clima de suspense no começo
- algumas cenas chocantes
 
Contras

- mudança brusca no ritmo do filme
- mudança de personalidades
- torture gore
- roteiro fraco
- vilão caricato e incipiente


Nota: 2,5 – "A Serbian Film" acaba se contentando em ser apenas mais um filme de torture porn, com algumas cenas chocantes e com um final polêmico. Apesar da boa ambientação, o filme acaba tropeçando em seus próprios erros, gerando uma tremenda confusão em que pouco se salva. Porém a trilha sonora é algo realmente assustadora. 

Trailer

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