quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Batman - O Super-Herói da Mente VI - A Ética da Liberdade

por
Corto de Malta

Qual o limite entre a Liberdade e a Loucura?

Parte I





No final de Batman Begins, quando Bruce diz que vai reconstruir a Mansão Wayne destruída por Ra's Al Ghul exatamente como era antes, Alfred sugere que, ao invés disso, modifiquem os alicerces do canto sudeste que eram problemáticos, para reforçar as bases da residência. Assim, no início de Batman - O Cavaleiro das Trevas Bruce e Alfred estão morando na Cobertura Wayne, no coração de Gotham.

Em vez da Batcaverna abaixo da Mansão, a base de operações do Batman passou a ser no subsolo do porto, com a entrada disfarçada com um contêiner, e o mordomo comenta que espera que a reforma da Mansão termine logo pra voltarem pra lá. No livro O Discurso do Método de René Descartes, logo no princípio da Terceira Parte, o filósofo diz:

"Enfim, como não basta, antes de começar a reconstruir a casa em que se mora, derrubá-la e provermo-nos de materiais e de arquitetos, ou transformando-nos nós mesmos em arquitetos, como é necessário ainda traçar cuidadosamente o seu plano, e também estar prevenido com outra casa onde nos possamos alojar comodamente durante o tempo que trabalhamos, assim também, para não ficar irresoluto em minhas ações, embora a razão me obrigue a sê-lo em meus juízos, e para não deixar de viver desde então da maneira mais feliz que pudesse, formei, para meu uso, uma moral provisória..."



O mesmo ocorre com Batman em O Cavaleiro das Trevas. Durante todo o tempo em que esteve em sua morada provisória vemos o personagem ser guiado por uma espécie de moral provisória, diferente da que o pautou no filme anterior.

Durante  a trama o Herói financia a campanha de Harvey Dent a promotor pensando em fazer com que ele ocupe seu lugar com combatente do crime de forma legalizada, para então levar uma vida normal e ficar com Rachel Dawes, com quem Harvey queria casar. Ele também permite que Harvey Dent assuma que é o Batman para atrair o Coringa.



Do mesmo modo Alfred é quem primeiro alerta Bruce para o tipo de homem que o Coringa é. Lembrando de seu passado como militar ele cita um ladrão de joias que perseguiu na Floresta de Burma. Recordando que de fato o ladrão não queria as joias, ele o compara ao Coringa:

"Existem homens que não estão à procura de algo lógico, como dinheiro. Eles não podem ser comprados nem intimidados. Não é possível argumentar, nem negociar com eles. Alguns homens... só querem ver o mundo pegar fogo."

Porém, o ponto mais interessante sobre esse caso é quando Bruce, desolado pela morte de Rachel, pergunta a Alfred como pegaram o bandido de Burma e ele lhe responde:

"Queimamos a Floresta inteira."



Colocando em outros termos isso seria o mesmo que a velha expressão "combater fogo contra fogo", assumindo assim uma moral provisória. Essa linha de raciocínio pode ser observada quando Lucius Fox descobre que Batman criou secretamente uma espécie de radar nas Empresas Wayne vigiando todos os cidadãos de Gotham através de seus celulares. Lucius critica o invento dizendo que ele é antiético e ameaça se demitir caso o mesmo continuasse lá. Mas o Morcego garante que só o usariam para localizar o Coringa e que depois Fox deveria destruí-lo. Mais um exemplo de ''moral provisória''.



Esse conceito também é marcado por vários diálogos entre Bruce e Alfred ao longo do filme onde Bruce fica se perguntando o que terá que se tornar para combater homens como o Coringa. E Alfred diz que ele deverá ser incompreendido e marginalizado. O mordomo também tenta explicar esse raciocínio a Rachel Dawes quando ela está revoltada  por Bruce deixar que Harvey assuma ser Batman pra virar um alvo e Alfred lhe explica que com isso Bruce/Batman não está sendo um herói, está sendo algo mais.

Mas ela não entende, decide ir embora da cobertura e acaba morrendo tragicamente. Não temos certeza exata do que Nolan quis transmitir com as palavras de Alfred sobre o que o Batman deveria ser. Mas podemos tirar algumas conclusões pela cena final. Batman assume um papel de Vilão, ou seja, passa a ser considerado tão criminoso quanto o Coringa. Ao mesmo tempo o Comissário Gordon diz ao filho:



"Então temos que caçá-lo... porque ele aguenta. Porque ele não é um herói. Ele é um guardião silencioso, um protetor zeloso, um cavaleiro das trevas."
Para compreendermos melhor como se chegou a isso, devemos antes entender o que provocou esta mudança do personagem. Neste caso, a Enantiodromia, o confronto com o jogador "do outro lado do tabuleiro", o Coringa.


Parte II

Além da Teoria das Ideias, Platão também criou a Teoria Política. Quando o Promotor Harvey Dent decide se unir a aliança de Batman e do Comissário Gordon para erradicarem o crime organizado de Gotham City, estão ali criando uma representação de uma Polis, a cidade ideal da Teoria Política de Platão. Nela existem três categorias de cidadãos, os quais se encaixariam nelas de acordo com as aptidões de cada um, descobertas por meio da Educação (Paideia).




Além disso, Platão dividiu a Alma (Psique) em três partes: Apetite, Coragem e Razão. Em cada pessoa uma dessas partes é predominante sobre as demais. Da combinação entre estas classificações oriundas da Educação e da Alma surgiriam as três categorias. Em Gotham podemos dividi-las assim:

Trabalhador - Gordon

Pois a parte sua Alma predominante é o apetite e sua virtude é a temperança.

Guardião - Batman.

Pois a parte de sua Alma predominante é a coragem e sua virtude é o valor.

Governante Filósofo - Harvey Dent

Pois a parte de sua Alma predominante é a razão e sua virtude é a sabedoria.




Platão acreditava que composta desta forma uma Sociedade chegaria ao ideal de Harmonia, Paz e Justiça (Dikê). Inclusive nas HQs é muito comum tanto nas histórias com a Identidade Duas Caras quanto com a Identidade Harvey Dent, vermos referências visuais a Dikê, a Deusa da Justiça, já que a presença de sua estátua é comum no ambiente de trabalho do personagem.

No entanto, sabemos que este conceito platônico falhou em O Cavaleiro das Trevas. O Coringa pegou o "melhor de nós", o governante filósofo, e o corrompeu. Mas será que o Coringa é tão responsável assim pela mudança de Harvey? Como ele mesmo diz:

"A loucura é como a gravidade.  Basta só um empurrãozinho."

Quando Bruce conhece Harvey no jantar no restaurante, o promotor o surpreende, revelando-se um entusiasta do Batman atuando acima da lei. Quando a bailaria Natacha, acompanhante de Bruce, lhe lembra que estavam uma Democracia, Harvey diz:

"Quando seus inimigos estavam às portas da cidade, os romanos suspenderam a democracia e nomearam um homem para proteger a cidade. Não foi considerado uma honra, foi considerado um serviço público."



É quando Rachel completa a história:
 "Harvey, o último homem que eles designaram para a República foi nomeado César e ele nunca deixou o poder."

Ou seja, Harvey está admitindo claramente que apoiaria uma ditadura, enxergando a queda da democracia como um "mal necessário". É curioso como este diálogo reflete no papel do Bane no terceiro filme, O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Mas aqui Harvey apenas consegue concordar e soltar a emblemática frase:


"Ou você morre herói ou vive o bastante para se tornar o vilão."

Em outra oportunidade, em uma coletiva de imprensa, Harvey tem a intenção de dar esperança ao povo da cidade, vítima dos loucos atentados do Coringa, e relembra um provérbio árabe: 

 "A noite é sempre é mais escuro logo antes de amanhecer. E eu prometo a vocês que vai amanhecer."


Podemos interpretar isto de forma ambígua. Sócrates comparava seu trabalho de filósofo com o de sua mãe, que era parteira. Ele queria fazer com que os homens trouxessem a verdade para a Luz. Sempre existiu o Duas Caras em Harvey Dent. O Coringa apenas fez o parto e o trouxe pra Luz.


Parte III

Em seu livro Leviatã, Thomas Hobbes defende a teoria conhecida como Bellum omnium contra omnes, em latim "A Guerra de todos contra todos", um estado de anarquia própria da natureza humana no qual ele acredita que a Humanidade se encontrará caso abra mão de regras sociais. Na prática as pessoas estariam abrindo mão de parte de suas liberdades em troca de viverem em uma sociedade pacífica.




A problemática de Hobbes é que sua filosofia foi usada como voz pelas ditaduras, que tiraram as liberdades de cidadãos e não lhes deram paz em troca. Poderíamos imaginar o conflito Harvey Dent Vs. Coringa com essa dinâmica hobbesiana e o desenrolar do conflito como uma crítica ao próprio Hobbes, já que Harvey, convertido no Duas Caras, acaba achando que a natureza "selvagem" do Coringa é melhor do que seu mundo de regras sociais

Também é possível enxergar o Palhaço como um hobbesiano. A teoria é a mesma - tanto Hobbes quanto o Coringa enxergam "o homem como o lobo do homem" - só a aplicação é que é ao contrário, porque afinal o Coringa tem a peculiaridade de enxergar o mundo de ponta cabeça. Ou seja, ele acha que o melhor seria o homem abrir mão do "contrato social" e aderir a sua natureza anárquica. Basta "desvirar" seu ponto de vista nivelando-o ao nosso e enxergaríamos a visão hobbesiana.




Por outro lado, dois outros filósofos posteriores apresentaram vertentes deste pensamento: John Locke, o pai do Liberalismo, firmou pra sempre no Inconsciente Coletivo o sentido de Propriedade Privada. Era adepto da tolerância e foi o primeiro a determinar o Self como parte da Psique. 

Dizia que "num estado natural todas as pessoas são iguais e independentes e todos possuem o direito natural de defender sua vida, liberdade e bens." O contrato social deveria servir para o Estado fazer justiça para a manutenção das liberdades e direitos. Mas esta interferência deveria ser limitada, pois Locke era um defensor do individualismo em primeiro lugar, podendo o indivíduo reagir a um ataque desde que de forma proporcional.



Jean Jacques Rousseau foi o filósofo que escreveu um livro cujo nome era justamente Do Contrato Social. Nele expressou a ideia de que na verdade a natureza do homem é boa, mas a sociedade o corrompe. Para ele a existência de uma liberdade individual era subordinada a existência de uma liberdade coletiva. Em outras palavras, na sua visão não pode existir liberdade verdadeira sem igualdade de oportunidades.

Ele também traçou uma diferença entre a vontade de todos e o bem comum. O Estado deveria interferir para garantir a Justiça colocando o "interesse comum" acima até mesmo da "vontade de todos", pois este último serviria somente para defender a soma dos interesses particulares dos cidadãos já que existe a tendência do ser humano de defender interesses privados acima da vontade coletiva. Ou seja, essa denominada "vontade de todos" seria na verdade a expressão de um desejo individual que todos compartilhavam e que, nas mãos do Estado, só iria prejudicá-los.



Na cena das Barcas dos Cidadãos e dos Prisioneiros - quando o Coringa coloca o detonador das bombas de uma com os passageiros da outra outra e vice-versa - vemos os pensamentos de Locke e Rousseau representados. Na Barca dos Cidadãos, como ninguém quer detonar, um deles levanta e pega o detonador, mas não consegue explodir a Barca dos Prisioneiros após o guarda lhe lembrar que os Prisioneiros não apertaram o detonador também. Aquele homem individualista percebe, então, que não poderia matar vários indivíduos pois esta seria uma reação desproporcional.

Enquanto isso, na Barca dos Prisioneiros, um deles - com a aparência deliberadamente ameaçadora - persuadiu um dos guardas a lhe dar o detonador apenas para jogá-lo no mar. Este gesto de bondade pode sugerir que este homem tinha uma natureza boa e terminou se corrompendo durante a vida até tornar-se um criminoso e um condenado, que nem por isso seria capaz de matar inúmeras pessoas por egoísmo.



Mas voltando ao Coringa, o que o leva a seguir essa linha tão drástica?

Parte IV

Em O Poder do Mito, Joseph Campbell fala sobre os jovens da atualidade que não passam por rituais de integração à sociedade como ocorria em antigas civilizações, ou que passam por versões dos rituais cada vez mais insignificantes para a vida deles. Pois o ritual é uma representação do mito e a ausência do mito deixa um vazio:

"Você quer saber o que significa uma sociedade sem nenhum ritual? Leia o The New York Times. [...] Jovens que não sabem se comportar numa sociedade civilizada. Creio que 50% de todos os crimes são cometidos por jovens entre 20 e 30 poucos anos que se comportam como bárbaros."



Podemos novamente nos debruçar sobre X, a identidade anterior do Coringa e estabelecer outro ponto com a trajetória de Bruce Wayne/Batman, mas desta vez de divergência. O Coringa seria resultado de uma pessoa que não passou pelo tipo de ritual pessoal pelo qual Bruce passou em Batman Begins e, portanto, ainda que tenha tido uma experiência psicológica semelhante, não pode canalizá-la. Se por um lado ele é "livre" das chamadas amarras sociais, isto também significa que ele perdeu os privilégios de estar ligado a sociedade por laços afetivos.

O Palhaço é como Mersault, o protagonista do livro O Estrangeiro de Albert Camus. Seu niilismo como X evoluiu para misantropia, um verdadeiro desprezo pela Humanidade e suas convenções. Camus não gostava que dissessem que sua obra era existencialista. Tal como o Coringa, ela trataria do absurdo que é viver e seria a antítese do existencialismo, o qual pode ser identificado na figura do arquiinimigo do Coringa, o Batman. E por ser um existencialista o Morcego acaba preso em um conflito entre duas formas de liberdade.



Isaiah Berlin veio depois de Hobbes, Locke e Rousseau e procurou demonstrar que "as concepções de Liberdade se originam diretamente de opiniões sobre o que constitui um ego, uma pessoa, um indivíduo." Em seu ensaio Dois Conceitos de Liberdade, ele determinou as diferenças entre Liberdade Negativa e Liberdade Positiva.

A Liberdade Negativa tem a ver com a não interferência do poder do Estado sobre as ações individuais. É comumente mais ligada à defesa da propriedade privada, ao direito de ir e vir.  Já a Liberdade Positiva está relacionada com os meios aos quais são fornecidos ao indivíduo para alcançar seus objetivos. Na prática ela diz que o Estado deve intervir para evitar desigualdades que cerceariam as liberdades individuais, mas ao mesmo tempo prega que os indivíduos tem o direito de participarem dessas decisões, especialmente sobre política.



Berlin fundamentou ambas do seguinte modo. Na Liberdade Negativa o indivíduo diria "Eu não sou  escravo de nenhum homem" e na Liberdade Positiva diria "Eu sou meu próprio patrão". São sentenças parecidas, mas diferentes na essência. Em O Cavaleiro das Trevas o Coringa seria o representante extremo da Liberdade Negativa. Ele faz o que quer porque quer, sem constrangimentos. Já o Batman, seria um símbolo da Liberdade Positiva?

Na verdade quando Bruce decide se tornar Batman ele está exercendo Liberdade Negativa. Por mais que tenha boas intenções de ajudar os cidadãos de Gotham, suas atitudes estão ligadas antes de tudo a  um desejo pessoal, que o faz passar por cima da lei... e dos carros da polícia. Porém, conforme o segundo loga metragem avança, o Batman vai mais e mais se aproximando da Liberdade Positiva.



O  gesto final do personagem de deliberadamente assumir a responsabilidade das mortes cometidas pelo Duas Caras seria uma forte demonstração de Liberdade Positiva, pois o Herói exerce sua autonomia de se submeter a leis pelas quais ele mesmo batalhou para que existissem. Ou seja, ele mesmo almejou uma cidade em que a polícia punisse criminosos como aquele que matou seus pais. Mesmo que o criminoso seja ele mesmo. No entanto, Berlin dizia que uma sociedade ideal deveria ter uma combinação de ambos os conceitos e nem o Batman nem o Coringa conseguiram isso.

No caso do último, nem é este o desejo dele. Sua existência toda é direcionada a ser uma espécie de "efeito colateral consciente" do Batman. E por ser diametralmente oposto ao Morcego há a necessidade patológica de pisar, distorcer, ironizar e humilhar tudo aquilo que para seu inimigo é sério e sagrado. Um dos maiores adversários de Sócrates foi o comediante Aristófanes, que o ironizava e ridicularizava, por considerar o filósofo uma fraude, alguém que se achava acima dos demais e que seria uma péssima influência para a juventude.



Aristófanes era um homem inteligente, criticava a sociedade de sua época, a injustiça social e a corrupção. Mas jamais soube compreender Sócrates, a quem chegou a comparar com os sofistas, oradores contraditórios que vendiam suas falácias num discurso bem urdido em troca de dinheiro.

Sócrates tentava argumentar que Aristófanes criara um outro Sócrates, um personagem que não era ele, o que somente aumentou a raiva que a sociedade ateniense tinha de Sócrates, que só queria levá-los a verdade. Da mesma forma os jogos do Coringa vão pouco a pouco fazendo os cidadãos de Gotham se voltarem cada vez mais contra o Batman achando que "ele atraiu a loucura pra nós" como diz a esposa de Gordon.



O tempo provou que Aristófanes estava errado. Mesmo Sócrates tendo sido condenado à morte ele é considerado o pai da filosofia, sendo mais lembrado e respeitado do que Aristófanes, o qual por sua vez terminou tendo seu nome irremediavelmente ligado a seu desafeto nas páginas da História. Assim também como o Batman, que contribuiu para uma evolução na sua cidade, e o Coringa, que mesmo sendo genial, tem sempre seu nome irremediavelmente ligado ao do Batman.

A diferença do Coringa para Aristófanes é que o Palhaço está totalmente ciente dessa ligação. Não é a toa que quando queima sua parte no dinheiro da máfia o Coringa diz que não estava fazendo aquilo pelo dinheiro, mas para passar uma mensagem. Mensagem para quem? Ora, para o Batman que na cena do interrogatório o acusou equivocadamente de ser um bandido que mata por dinheiro.



Parte V

Além disso, o Coringa almeja compartilhar a sua noção de "evolução" com todos os demais. Charles Darwin defendeu na Teoria da Evolução a ideia de que os seres sobreviventes são aqueles que se modificam para se adaptarem ao ambiente em que vivem - algo parece estar em concordância com as ideias de Rosseau.

Daí observamos como o Coringa repete um método específico. Ele mata Gramble e depois quebra um taco de bilhar em pedaços e diz a seus capangas para lutarem entre si com estes pedaços pois apenas um deles terá vaga em sua quadrilha.




O Palhaço sempre recorre a exemplos de suas atitudes para estimular os outros a agirem como quando sequestra os Batmen e os tortura em frente das câmeras para chamar a atenção do Batman e fazê-lo se entregar. Fez o mesmo com a "mágica do lápis" e só matou o Gramble porque ele foi o único dos mafiosos que não se deixou impressionar.

Por isso as barcas não foram um plano do Coringa e sim do Duas Caras. Se tivessem sido ele teria dado um exemplo do que ocorreria caso os cidadãos ou prisioneiros não apertassem o detonador. Ou seja, haveria de alguma forma uma terceira barca para ser destruída diante dos passageiros das demais do mesmo jeito que o Vilão matou Gramble na frente dos capangas dele, levando-os a agir e matarem-se uns aos outros para sobreviver.




Porém, de todos os métodos empregados pelo Coringa, nenhum é tão evidente quanto a Teoria dos Jogos, um estudo da Matemática sobre situações estratégicas que envolvam as ações de dois ou mais agentes em conflito com a intenção de obter-se o melhor resultado desejado.

Vejamos quais Nolan empregou no filme.




Pirate Game -

A cena de abertura de Batman - O Cavaleiro das Trevas mostrando o assalto ao banco da máfia ilustra o conceito de Pirate Game, um problema que envolve cinco piratas tendo que distribuir 100 moedas de ouro.

No caso do assalto haviam cinco bandidos com máscaras de palhaço - contando com o motorista do ônibus escolar - e cada Palhaço (Pirata) quer sobreviver, ter o maior número de dinheiro (moedas de ouro) e matar seus companheiros.




 

Teorema de Davies-Folk -

Essa é utilizada em vários momentos do filme. Quando o Coringa encontra a máfia pela primeira vez e revela que tem bombas amarradas no corpo, quando Batman atira Sal Maroni da varanda e mesmo intimidado o mafioso não diz onde o Palhaço está já que ele crê que o Vilão não segue nenhuma regra e na cena do interrogatório onde, mesmo apanhando do Batman, o Coringa gargalha e diz que ele não conseguirá nada ainda que usando toda sua força. A atitude de insanidade do Vilão na verdade seria um plano de dissimulação sofisticado.

Ao agir de forma aparentemente absurda - como quando queimou o dinheiro - o Coringa impede que seus passos se tornem previsíveis aos seus adversários. Ao estabelecer uma reputação de louco, isto faz com que seus oponentes nunca esperem dele uma reação lógica. Isto combina com a teoria levantada por Grant Morrison nos Quadrinhos, de que o Coringa não sofre de insanidade e, ao invés disso, seria dotado de uma espécie de Super Sanidade.





Jogo da Galinha -

Logo após o Batman virar o caminhão do Coringa, o Palhaço sai cambaleante pro meio da rua atirando em pessoas aleatórias e estimulando o Morcego a vir pra cima dele e atropelá-lo com a moto. Isso é uma reprodução do Jogo da Galinha, onde dois indivíduos estão dirigindo carros ou outros veículos de frente um pro outro e ambos aceleram em linha reta na direção do outro.

Quem desvia primeiro perde, se ambos desviarem ambos perdem, se nenhum dos dois desiste os dois se arrebentam. Como o Batman explica mais tarde sua regra é não matar, por isso ele desvia e não atropela o Coringa, perdendo o jogo.





Problema do Principal-Agente -

Esse conceito permeia os policiais de Gotham durante todo o filme e é o grande dilema do Comissário Gordon. Em Batman Begins Bruce sabia que a polícia de Gotham era corrupta, então procurou ajuda do único policial honesto que conhecia, James Gordon. O problema é que conforme Gordon (Principal) foi aumentando a pressão sobre os mafiosos precisou delegar funções (Agente). Como Harvey Dent lhe lembra na corregedoria ele investigou vários dos homens de Gordon, por estarem na folha de pagamento de Sal Maroni e o Problema Principal-Agente diz respeito a fazer o Agente atender aos interesses do Principal antes de seus próprios interesses.

Os agentes de Gordon frequentemente terminam agindo em benefício próprio. O policial que estava conduzindo Coleman Reese, o qual o Coringa mandou matar caso contrário explodiria um hospital onde estava a mãe deste policial, se recusa a ceder sua arma ao Comissário. Outros dois policiais a mando de Maroni sequestraram Harvey e Rachel e os entregaram aos capangas do Coringa. O mesmo Coringa que ironicamente matava policiais. Mas os criminosos também atravessam esse dilema, quando Lau é capturado e faz um acordo de delação premiada. Com centenas de prisões efetuadas o Prefeito alerta Harvey que os chefes logo estariam na rua e o Promotor lhe diz que o objetivo era deter os peixes pequenos para que eles fizessem o mesmo acordo entregando os peixes grandes.







Custo de Oportunidade -

Quando o Coringa conta ao Batman que além de Harvey ele também mandou pegar Rachel explica que o Morcego só poderia salvar um. Em Economia isso significa um Custo de Oportunidade, pois deve-se avaliar ao mesmo tempo os benefícios de uma opção escolhida e os benefícios perdidos com a opção renunciada.

Avaliamos isso num capítulo anterior, evidenciando como para Bruce seria melhor salvar Rachel e para Gotham seria melhor salvar Harvey e como o Coringa manipulou a situação por prever isso invertendo os endereços e assim derrotou seu inimigo neste jogo.






O Dilema do Bonde -

É a mesma sequência em que Coleman Reese vai revelar a Identidade Secreta do Batman na TV e o Coringa ameaça explodir um hospital cheio de gente caso alguém não o mate para impedi-lo. Tem  este nome porque imagina a hipotética situação em que um bonde está indo em direção a um grupo de pessoas amarradas aos trilhos prestes a atropelá-las. Um indivíduo está perto da alavanca que pode desviar o bonde para outro trilho. Só que neste outro trilho encontra-se uma pessoa inocente que não sabe o risco da situação.

A essência do Problema consiste em saber se vale a pena salvar a vida de várias pessoas causando a morte de uma. No caso da população de Gotham não chegou a ser um grande dilema, já que uma multidão foi até a porta da emissora de TV matar o Reese.





O Dilema do Prisioneiro -

Imagine a seguinte situação. Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia, que os separa em locais diferentes. É oferecido a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros confessar e denunciar seu parceiro e o parceiro ficar em silêncio, o que confessou escapa livre e o que ficou calado cumpre pena de 10 anos. Se os dois ficarem em silêncio, a polícia só terá provas para condená-los a 6 meses cada um. Se os dois confessarem e se denunciarem mutuamente ambos serão condenados a 5 anos de cadeia cadeia um. E cada um deve tomar sua decisão sem saber o que o outro vai fazer.

Esse Dilema está presente tanto na questão da delação premiada quanto na cena das barcas, onde é levado ao extremo de uma questão de vida ou morte. O mais interessante é demonstrar que, ao se ajudarem mutuamente, as pessoas confrontadas com esta situação mitigam os efeitos negativos sobre eles mesmos. Foi o que aconteceu com os passageiros. Ambos não se explodiram e o Coringa perdeu o jogo.









 

Seleção Adversa (O Mercado de Limões) -

É a hora em que o Coringa troca as roupas dos Palhaços (Capangas) com as dos Médicos (Reféns) para enganar a SWAT. Isto tem a ver com o conceito da Economia de que indivíduos selecionam incorretamente determinados bens e serviços no mercado por não conseguirem avaliar a diferença entre os produtos de baixa qualidade (chamados "limões") dos de alta qualidade (chamados "uvas").

No Brasil esta situação é mais conhecida pela expressão popular "trocar gato por lebre". No caso do filme, matar os reféns e "salvar" os bandidos que, obviamente, também matariam aos policiais. Como o Batman percebeu o que estava acontecendo ele impediu que isto ocorresse e venceu seu inimigo nesse jogo.

Para saber mais sobre a aplicação da Teoria dos Jogos no filme clique aqui.



Como se pode notar todas as ações do Coringa estão condicionadas ao fato de que como ele imagina que as outras pessoas reagirão diante de um dilema que envolva a Ética e os limites da Liberdade Negativa de cada um. No fim de O Cavaleiro das Trevas, o Batman toma uma atitude intimamente ligada a Liberdade Positiva, a qual ele conclui que o Coringa não estaria prevendo. Ele demorou, mas finalmente compreendeu o significado de seu combate ideológico com o Coringa na Cena do Interrogatório. Por isso ele diz:

"O Coringa não pode vencer".




Em O Poder do Mito, Campbell estabelece a diferença entre uma Experiência de Pico de Abraham Maslow e a Epifania descrita por James Joyce.

"Isso está ligado à experiência estética. Para Joyce essa experiência estética não o leva a querer possuir aquele objeto. o que ele chama de 'pornografia'. Nem o leva a criticar e rejeitar o objeto, o que ele seria 'didática' ou 'crítica da arte'. A experiência estética é apreender o objeto. Ele diz que pondo um moldura em volta do objeto você o vê como uma coisa. Vendo dessa forma você fica ciente da relação entre as partes. Da parte com o todo e do todo com cada uma das partes. Esse é o fator estético essencial. O ritmo. O ritmo das relações. Quando o artista consegue um ritmo de sucesso há um esplendor."



Da mesma maneira Batman se encontra ao fim do segundo filme. Ele não deseja mais possuir a vida de Harvey Dent, nem continuar eternamente lutando contra o Coringa. A sua Epifania o faz enxergar a relação entre o todo e as partes com um grande quadro. Quando vira o rosto do Duas Caras para ele voltar a ser Harvey Dent tornando-o o Cavaleiro Branco e transformando-se assim no Cavaleiro das Trevas, o protagonista cria sua obra prima.

O Herói percebe que somente um sacrifício em nome da Ética anularia os planos do Coringa de jogar com a falta de Ética das pessoas. Assim ele sacrifica sua Liberdade destruindo o Heroísmo, a base de sustentação da sua Identidade dominante, Batman, para assim ao menos tentar salvar a Liberdade das pessoas de Gotham.







2 comentários:

Homem Maravilha da Era de Ouro disse...

Puta merda esse cara ainda está aí, fazendo o que ?

Provavelmente ainda faltem 34,5 posts sobre o Bátema !

Ressoar Espiritual disse...

Muito bom

Postar um comentário

Todos os comentários e críticas são bem vindos desde que acompanhados do devido bom senso.