sexta-feira, 23 de maio de 2014

Climatinê: Godzilla

por
Corto de Malta

Menos uma adaptação do clássico Godzilla, mais uma adaptação da mitologia do icônico personagem.

Pacífico, 1954. Testes nucleares tentam destruir uma estranha criatura no mar. 
Filipinas, 1999. Dois cientistas (Ken Watanabe e Sally Hawkins) encontram fósseis de uma gigantesca criatura, mas não a que procuravam. Dentro dos seus restos mortais, dois enormes parasitas. Um, dado como morto, é enviado ao deserto de Nevada nos EUA, enquanto o outro some.
Japão, 1999. Algo misterioso causa um acidente na usina nuclear controlada por Joe Brody (Brian Cranston), causando a morte de sua mulher, Sandra (Juliette Binoche) e deixando órfão seu filho, Ford (Aaron Taylor-Johnson).
EUA, 2014. Uma agora adulto Ford é oficial do esquadrão anti bombas do exército norte americano, está casado com a enfermeira Elle (Elizabeth Olsen) e tem um filho pequeno, Sam (Carson Bolde). Ele acredita que deixou o passado para atrás, quando é chamado a voltar ao Japão para rever o pai e revirar grandes segredos. Segredos que mudarão a vida de todo o planeta.


Todos estes personagens e situações poderiam ter rendido um resultado bem melhor se não houvessem erros conceituais de abordagem. Muita gente saiu do cinema com uma verdadeira cara de paisagem, sem entender bem o que assistiu para poder julgar se é bom ou não. Isto porque, para boa parte do público ocidental, só existem o primeiro Godzilla norte americano de Roland Emmerich - mais conhecido como Zilla -  e o Godzilla clássico de Ishiro Honda lááá de 1954. Este Godzilla de Gareth Edwars não é nem um nem outro... mas ainda é Godzilla.

Em primeiro lugar é preciso frisar que Godzillla é simplesmente a maior franquia do Cinema com 28 filmes produzidos. Ou seja, mesmo que mais de 90% disso nunca tenha chegado aos cinemas brasileiros ele é de fato uma franquia maior que o 007, por exemplo, que seria apenas a maior franquia hollywoodiana.


O Rei dos Monstros teve tantos filmes e abordagens ao longo de décadas que praticamente foi se tornando outro personagem com o tempo. Tal qual o Exterminador do Futuro ele começou como vilão, porém seu carisma o tornou um herói inusitado em várias ocasiões

Acrescente a isso os trailers mais mentirosos desde os filmes de M. Night Shyamalan depois de O Sexto Sentido e a confusão está feita na cabeça do público ocidental que não tenha assistido aos longa metragens do lagarto gigante quando passavam em algum canal como SBT ou Band num sábado à tarde.



E esse desencontro causou os tais problemas conceituais. Quando Frank Darabont pegou uma das primeiras versões do roteiro deixou claro que Godzilla era uma metáfora da bomba atômica e que nunca entendeu bem como o personagem havia se tornado um protetor do Japão. Ou seja, seria claramente um remake atualizado do filme de 1954.

Evidentemente muita coisa mudou pelo caminho e outros roteiristas fizeram prevalecer outra visão. Ao ponto de num certo momento eu pensar que estava vendo literalmente um filme moderno da Toho com o Godzilla herói e amigo dos humanos, só que com orçamento de Hollywood.


Isso por si só não seria um problema. Só que essa abordagem não casa tão bem com o estilo de direção de Gareth Edwards, onde predomina o ponto de vista humano, a sutileza e a subjetividade. Se ele estivesse dirigindo um remake do original de Ishiro Honda, onde Godzilla ainda é uma desconhecida e aparentemente imbatível força da natureza, seria perfeito. Aquele é um filme de ficção científica, tanto que permanece atual até hoje. Os seguintes embarcaram na fantasia e muitas vezes até no trash.

Ali ele era O monstro. Não UM monstro. Guardadas as devidas proporções é como o Superman nas HQs. Ele começou como O super-herói na Era de Ouro. Com o advento de cada vez mais super-heróis, o Homem de Aço foi ganhando poderes cada vez maiores e mais absurdos para poder continuar se distinguindo como único.



Num filme com três monstros, Godzilla e os dois MUTOs, e onde o foco deveria ser a luta entre eles - exatamente como passou a ocorrer em todas as continuações do primeiro filme de Honda - talvez até mesmo a visão mais exagerada e escrachada de Roland Emmerich no longa metragem dos anos 90 fosse mais adequada. Ironicamente, ali Godzilla, ou melhor Zilla, era vilão e a única ameaça (desconto aqueles filhotes toscos).

Vale ressaltar, porém, que Edwards não chega a fazer feio e existem várias pequenas grandes cenas ao longo da trama deste longa metragem, além de uma fotografia linda, que sem dúvida teriam mais ênfase se o conjunto fosse mais harmonioso. Particularmente é necessário reconhecer que quem esperou uma luta e se sentiu frustrado pela subjetividade do diretor foi recompensado nos minutos finais com o duelo dos três gigantes e com Godzilla demonstrando todo o seu poder.


Apesar do roteiro que os produtores apresentam também acabar falhando com os conflitos com os personagens humanos, após o mais interessante deles morrer muito cedo, a história consegue manter o entretenimento.

E se essa citada falta de ênfase no personagem título é o motivo que fez muitos sentirem falta de uma presença maior dele na tela, acontece que o Rei dos Monstros também não aparecia tanto no longa metragem de 1954. Podemos notar assim que parte do roteiro ainda flertava com esse filme antigo mesmo que não fosse mais adequado a proposta. Essa homenagem fica clara pelo nome do perosnagem de Watannabe, Serizawa. Homônimo do herói do longa metragem original de Honda.


Outro ponto interessante é que como Godzilla deixa de ser uma metáfora da bomba atômica e talvez da própria energia nuclear e faz jus ao nome tornando-se uma metáfora a Deus. Basta acompanhar sua relação com os humanos e as cenas finais entre ele e Ford. Ele não é uma força da natureza que vem se vingar da humanidade por sua prepotência. Ele é uma força quase mística que vem salvá-la atendendo suas preces.

Enfim, apesar de irregular, este Godzilla vale a pena. Especialmente se você puder assimilar que o Godzilla hoje já faz parte de uma mitologia tão gigantesca quanto ele próprio e que a anunciada continuação deve trazer pro cinemão mais monstros da Toho (teve easter egg da Mothra no filme) ampliando a fauna da nova franquia.



Um comentário:

Renver disse...

Hummm até que a sua resenha me fez interessar levemente em ver o filme.

Postar um comentário

Todos os comentários e críticas são bem vindos desde que acompanhados do devido bom senso.