sexta-feira, 4 de abril de 2014

Climatinê: True Detective - Primeira Temporada

por
Corto de Malta
 

O tempo é um círculo plano. O que já aconteceu está acontecendo e acontecerá de novo e de novo.

True Detective conta a história dos detetives Rust Cohle (Matthew McConaughey) e Marty Hart (Woody Harrelson). Em 1995 os dois investigaram um assassinato ritualístico de uma jovem mulher na Louisiana.

Enquanto Rust é um forasteiro niilista, desiludido, culto e filosófico, Marty é o típico sulista, pai de família, conservador e preconceituoso. Porém, é o único que tenta compreender o solitário parceiro.



Dezessete anos depois, afastados da polícia e sem se verem a anos, os dois são chamados a depor sobre um novo caso de assassinato ritualístico idêntico ao que investigaram no passado. Assim, True Detective vai e volta do passado para o presente mostrando o que aconteceu nas vidas daqueles homens... e o que não aconteceu.

Existem várias camadas adotadas por Nic Pizzolatto, criador e roteirista da série. Várias citações literárias por exemplo que provocaram burburinho na internet. Mas basicamente True Detetive é uma história noir. E como quase toda história noir, envolve um detetive em crise existencialista mergulhado na degradação de um mundo decadente.

A trama policial em si não apresenta nenhuma novidade. Mesmo a narrativa não linear não representa nenhuma ousadia narrativa. A investigação sobre os crimes do serial killer é repleto de clichês. O que não se pode negar é que é um clichê muito bem escrito, dirigido e interpretado. O suficiente pra prender nossa atenção. Destaque pra um plano sequência elaboradíssimo feito pelo diretor Cary Joji Fukunaga no episódio 4 que mostra Rust tentando tirar um informante de um bairro repleto de gangues de motoqueiros.



O segundo aspecto a ser ressaltado em True Detective é o drama. Em 95 Rust está introspectivo e depressivo, mas em 2010, o tempo atual da série, ele está acabado e fica nítido que ligou o foda-se de vez em algum momento. Marty, que no passado tinha uma vida estável, vai cada vez mais demonstrando ao público que chegou mais ou menos ao nível emocional do Rust de 95 e que caminha na mesma direção.

O que destruiu a vida pessoal da dupla não é revelado diretamente nos depoimentos e está ligado a família de Marty, especialmente sua relação turbulenta com a então esposa Maggie (Michelle Monaghan). Essa parte também é bem executada e assistimos grandes atuações de Harrelson e McConaughey, Mas se pensarmos bem também não existe nada demais nisso. E boa parte das subtramas só estão ali pra despistar.

Eis que então entram as referências que Pizzolatto acrescenta para construir as metáforas da obra. Anda há ressalvas. O autor já declarou em entrevistas que Carcosa e o Rei de Amarelo, tirados da obra de Robert W. Chambers, foram alternativas para substituir o satanismo e que, de certa forma, aquela mitologia só existe na cabeça de alguns personagens. 



Em parte uma decepção para os fãs do horror cósmico. Pizzolatto faria melhor se pusesse algum personagem indicando de forma direta que os livros de Chambers e Ambrose Pierce existem dentro do universo do seriado. Mas valeu pra muitos ver o Sinal Amarelo se formando em alguns momentos.

Outro elemento que ele utiliza pra construir sua metáfora é o ambiente. A Louisiana onde o escritor cresceu é um personagem, como nota-se na excelente abertura dessa temporada. Parte do mistério desvendado nos capítulos finais soa um tanto vago porque, bem, são crimes desconfortavelmente baseados em fatos reais. 

O Daily Beast fez uma matéria relatando o caso [clique aqui pra ver]. No fim, Pizzolatto foi inteligente ao relacionar o fanatismo religioso com um terror inominável como o que pode vir com o Rei Amarelo. Às vezes um extremo é um caminho mais curto para o outro e o Bem e o Mal estão mais próximos do que se imagina. Isso também é lembrado no diálogo final entre Rust e Marty que pode muito bem ter sido inspirado por uma HQ de Alan Moore, Top 10 (veja clicando aqui e continue lendo e você verá que faz muito sentido).



Pizzolatto foi além... e é aí que reside o brilhantismo da interpretação de Matthew McConaughey.

Uma das cenas mais marcantes de True Detective é quando Rust explica a dupla de policiais que o interroga o que é a Teoria M, um conceito científico também real. Sem entrar em maiores detalhes, a Teoria M diz que o tempo é como um círculo plano. Ou seja estamos dando voltas e voltando pro mesmo lugar. Essa teoria é dita a ele por um outro personagem anos antes, só que com outras palavras.

A partir daí abre-se um mar de possibilidades. Todos os clichês (ou seja, repetições) que eu citei anteriormente na série ganham um outro significado se os enxergarmos por essa ótica. O fato deles estarem contando uma história pros outros policiais. As próprias vidas dos protagonistas que novamente se unem para concluir a investigação do assassinato. E (por que não?) isso pode fazer referência aos próprios programas de TV, os quais assistimos através de uma tela plana, exatamente como Rust descreve.


E sim, há quem acredite que ele quebrou a quarta parede nessa cena.

Afinal de contas, o próprio ato de contar histórias é uma das mais antigas tradições da Humanidade. E continua sendo. E continuará sendo. Tanto que True Detective voltará para uma segunda temporada com novos atores, novos personagens e uma nova história... mas que provavelmente terá algo de familiar. Saberemos quando a virmos novamente numa tela plana...


" Rompem as ondas brumosas ao longo da costa,

Os sois gêmeos afundam além do lago,

As sombras se estendem

Em Carcosa.

Estranha é a noite na qual surgem estrelas negras,

E estranhas luas giram pelos céus

Mas ainda mais estranha é a

Perdida Carcosa.

Os cantos que cantarão as Hiades,

Onde flameiam os andrajos do Rei,

Devem morrer inaudíveis na

Brumosa Carcosa.

Canção da minh’Alma, minha voz morreu,

Morra, sem ser cantada, como as lágrimas não derramadas

Secam e morrem na

Perdida Carcosa. ''







Um comentário:

Ale disse...

Com este novo elenco de True Detective 2 eu decidi ver o show a partir do zero, sem comparar, porque eu acho que É o que os diretores querem nos oferecer e certamente será um sucesso

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