O filme de Darren Aronofsky que consagrou Natalie Portman como o Oscar de Melhor Atriz é uma baita mergulho na mente perturbada de uma bailarina. Mas a questão é: Até que ponto?
Em Cisne Negro acompanhamos a angustiante jornada de Nina (Natalie Portman), uma jovem que vive a sombra da mãe (Barbara Hershey), bailarina que largou a carreira no auge quando engravidou da filha, a qual ainda parece tratar como criança. Quando o diretor da companhia de balé (Vincent Cassel) decide encenar O Lago dos Cisnes e aposentar sua veterana estrela (Winona Rider), Nina vê ali sua grande chance.
Só que, apesar de dançar perfeitamente como o delicado Cisne Branco, ela precisa se soltar mais para dar vida ao sensual Cisne Negro. Porém, sua personalidade submissa não deixa. Surge então uma nova bailarina na companhia, Lily (Mila Kunis), liberada e bem resolvida, que seria o Cisne Negro perfeito. Todo esse cenário parece pressionar Nina a ponto de fazê-la ter alucinações, causar ferimentos em si mesma e deixá-la obcecada por Lily.
Na fábula, uma princesa é transformada em cisne pelo feitiço de um mago malvado e só o amor de um príncipe pode salvá-la. Mas o príncipe é seduzido por sua gêmea má, o cisne negro. Não é difícil imaginarmos que na mente retorcida de Nina, Lily é o cisne negro, o diretor da companhia o príncipe e sua mãe o mago que a prende, não em forma de cisne, mas na de uma eterna criança, seja com um quarto cheio de bichos de pelúcia, seja regulando sua hora pra chegar em casa etc.
E é aí que ambiguidade da obra de Darren Aronofsky ganha força. Nunca sabemos exatamente onde termina a extensão do relacionamento entre mãe e filha e uma leitura mais atenta do filme parece sugerir que, além de esquizofrenia, a história trata, de modo bastante sutil, de pedofilia e incesto. Isso nos apontam vários cortes abruptos de cenas como a que a mãe de Nina entra em seu quarto dizendo "Está preparada pra mim?", quando ela chupa o dedo da mãe após esta oferecer um pedaço de bolo e a falta de privacidade da bailarina, mesmo sendo adulta.
Claro que a princípio essa é uma idéia tão repulsiva que a primeira decisão pode ser afastá-la. Porém, isso explicaria muitos dos tormentos mentais da protagonista, que até então não conseguíamos compreender completamente. Muito do sucesso do filme se deve a cena de lesbianismo entre Natalie Portman e Mila Kunis. A própria Portman admitiu que isso foi um chamariz. Mas me pergunto até que ponto isso não foi também usado como isca, ocultando algo ainda mais polêmico.
Na cena, Nina trava a porta do quarto com a mãe fora, vira de costas e beija Lily, com quem faz sexo. Qauando acorda, Lily sumiu e a trava da porta não está mais lá. Sua mãe, estranhamente, não parece querer insistir na bronca por ela ter chegado tarde em casa na noite anterior e está calada num canto. Ao chegar ao balé a surpresa: Lily nunca esteve lá. Seria tudo um delírio masturbatório da mente de uma garota apenas reprimida sexualmente, não fosse um detalhe intrigante: alguém tirou a trava daquela porta.
Outro detalhe desconcertante são os bizarros espelhos do apartamento de Nina. Numa cena em que ela está no chão e a mãe sentada, pouco antes de Lily aparecer pra levá-la pra sair, o espelho as mostra numa posição precisamente inversa. Se os espelhos daquela casa pudessem ser nossos olhos na cena do quarto, então Lily não estaria se virando para beijar Lily e sim para beijar a própria mãe, consumando de vez uma doentia relação que culmina na cena onde ela finalmente quebra um espelho (este dentro do camarim) com um resultado fatal, praticamente um Dorian Gray apunhalando o próprio quadro. E é impressionante como me pego sempre voltando a Dorian Gray nas minhas críticas.
Assim como Christopher Nolan, Arronofsky se volta muito mais a psicologia junguiana do que a freudiana, razão pela qual eu creio que ambos sejam rejeitados por parte da crítica e do público. Daí aquela Sombra monstruosa que aparece desde a primeira cena do filme, Sombra essa que a própria Nina estava se transformando até o desfecho onde, com um olhar e um salto, se libertar dos dois monstros: o que a aprisionava e o que ela própria estava se tornando.
Concluindo, eu fiquei feliz de ver que Cisne Negro, afinal, era muito mais que um mero amálgama do filme Os Sapatinhos Vermelhos com o anime Perfect Blue, (ambos merecem ser vistos também) e que conquistou identidade própria, coisa que alguns, como Nina, só conseguem encontrar na hora da morte.
Recomendo também esse vídeo do Nem Fudendo, onde o Bruno Peixoto fez uma crítica com a mesma teoria, mas muito mais abrangente. Indicação da Larissa Palmieri.
3 comentários:
Você leu Dorian Gray??
Eu achei muito bom o livro!!!!
Não, mas eu vi o filme e tenho um retrato. rs
Sou fã do trabalho do Aronofsky. Gosto de todos seus filmes, evidentemente uns mais outros menos, mas em suma acho-os fantásticos! Suas abordagens sempre contundentes, com uma edição deveras sensacional, transmite ao espectador de forma singular e magistral o sentimento do filme, ISSO que na minha forma de contemplar cinema em conjunto com outros fatores, torna um diretor DIFERENCIADO.
Black Swan é um filmaço, Natalie Portman MERECE todo esse reconhecimento e fico no aguardo dos próximos filmes de Darren.
Abs.
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