terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Climatinê: A Rede Social Por Corto Maltese

por
Corto de Malta

A Rede Social ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme e é forte concorrente ao Oscar. A questão é: Ele merece todo esse hype? O Jonathan já deu a opinião dele, agora darei a minha.

O filme narra a história do criador do site de relacionamentos Facebook, Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), aluno solitário e brilhante da Universidade de Harvard, seu melhor amigo e sócio, o brasileiro Eduardo Saverin ( interpretado por Andrew Garfield, o novo Homem-Aranha), os gêmeos da tradicional Família Winklevoss, Tyler e  Cameron (vividos por Armie Hammer, que quase foi o Batman no filme da Liga da Justiça que não aconteceu), o sócio deles, o descendente de indianos Divya Narendra (Max Minghella) e o espertalhão Sean Parker (Justin Timberlake), criador do Napster, que acabou se envolvendo, a exemplo de todos os demais, na disputa por essa mina de ouro chamada Facebook.

A trama ganha força graças a narrativa sofisticada do diretor David Fincher e do roteirista Aaron Sorkin, que ora mostra a ascenção do site iniciado em Harvard em meio a todos os conflitos e picuinhas que o cercaram, ora se passa no processo movido pelos Winklevoss e Narendra contra Zuckerberg no qual Saverin é testemunha, ora narra outro processo, de Saverin contra Zuckerberg.

Esse esquema confunde um pouco no começo, mas Fincher estava inspirado com o material que tinha nas mãos e logo consegue fazer o público se sentir confortável acompanhando a história. E que história.

Tudo começa uma noite num bar em Harvard num diálogo espertíssimo entre Zuckerberg e sua namorada Erica, que termina o relacionamento com ele, que está mais preocupado em entrar pra algum clube exclusivo da Universidade. Nessa cena qualquer um atento a natureza humana percebe logo de cara todas as deficiências emocionais do personagem e a sua falta de discernimento nas interações sociais numa grande construção psicológica, facilitada pela interpretação de Jesse Eisenberg que, assim como todos os atores do longa,  esteve excelente na medida certa.

Por exemplo, quando Zuckerberg  faz uma piada e não quer se levado a sério, mas não consegue tolerar a mesma piada sem levar a sério quando esta é dirigida a ele.

 Ferido no seu ego, Zuckerberg cria com ajuda de Saverin o Facemash, um site onde os estudantes da instituição comparam as meninas umas com as outras, com animais, entre outras coisas não muito elegantes... tudo para atingir e se vingar de Erica.


 David Fincher acerta em cheio ao explicar a reação desproporcional do estudante materializando seu raciocínio na tela. Ele faz um paralelo das garotas dentro das festas dos tais clubes exclusivos de Harvard sendo deliberadamente tratadas como objeto, ao mesmo tempo em que o Facemash derruba a rede de Harvard com mais de 22.000 acessos de usuários numa noite.


São essas atitudes intempestivas e vontade criadora que dão motor aos acontecimentos do filme. Zuckerberg é punido pela instituição, repudiado pelas colegas e desprezado pra sempre por Erica. E ainda arrasta Saverin com ele. Porém, todo o burburinho em torno de sua criação também chama a atenção de Narendra, que leva Zuckerberg para conhecer os gêmeos Winklevoss, que lhe apresentam o projeto de site de relacionamentos chamado ConnectU (que depois mudou de nome pra Harvard Connection), na qual eles planejavam superar os concorrentes como o MySpace (que era a rede social mais popular da América do Norte naquela época).

Curiosamente, os gêmeos se apresentam como membros da equipe de remo, o que alude ao diálogo anterior com Erica, além de demonstrarem querer fazer do novo site um tipo de clube exclusivo virtual e da inteligência de Mark sua porta de entrada. David Fincher parece querer dizer que isso acende uma luzinha dentro de Zuckerberg.

Acendendo a consciência sobre o seu valor, mas sem conseguir lidar em como o resto do mundo o enxerga. Ele então cozinha os "sócios" em banho maria, enquanto convida Saverin para fundarem o TheFacebook. Quando eles descobrem, é tarde demais.

"Se vocês tivessem criado o Facebook, vocês teriam criado o Facebook." - diz ele no processo dos gêmeos.
Enquanto Zuckerberg e Saverin (que a essa altura também já foi aceito num dos tais clubes) ascendem socialmente em Harvard e o TheFacebook cresce passando como um cometa entre várias universidades dos EUA, os Winklevoss e Navendra se veêm presos a uma rede burocrática que vai desde um dos gêmeos que não quer expor a situação com um processo que afetaria a imagem deles (a citação a cena do Karate Kid foi fantástica!) até o reitor de Harvard, que também se recusa a interferir na situação.

Após um reencontro nada amistoso com Erica, a "luzinha" de Zuckerberg acende de vez, fazendo com que ele alimente mais suas ambições. É aí que entra em cena Sean Parker, para desgosto de Saverin.

Conhecido por criar o Napster, primeiro site de compartilhamento de música na internet que mudou a história da indústria fonográfica, Parker causa uma forte impressão em Zuckerberg e fica claro que são suas idéias mais arrojadas que ditarão os rumos do site daí por diante, a começar pela simplificação do nome: Facebook.

"Primeiro vivemos em fazendas, depois em cidades e agora na internet!" - é o pensamento grandiloquente de Parker.
A partir daí podemos imaginar aonde o filme vai nos levar: o Facebook vai muito além das universidades se tornando o "monstro" que conhecemos hoje, o conflito interno entre Saverin e Parker lentamente vai se tornando um um conflito entre Saverin e Zuckerberg, conforme este se liga cada vez mais a Parker, que por sua vez vai acabar se metendo numa encrenca já prevista por Saverin, enquanto os gêmeos e Narendra vão acumulando cada vez mais rancor conforme o site cresce até enfim decidirem processar o ex colega.

Tudo isso fatalmente fará com que a grande quantidade de dinheiro que vai entrando no negócio torne-se equivalente a enorme amargura que cerca as relações entre todas essas pessoas.

 Mas mesmo o fim dessa história sendo previsível (e real) não conseguimos nos desgrudar dessa roda viva de sonhos realizados ao custo de amizades destruídas. Como eu disse, David Fincher estava inspirado nessa realização. Vou até arriscar dizer que, sob muitos aspectos, A Rede Social é melhor outras obras-primas do diretor, como Seven e Clube da Luta.

Você sente essa paixão em contar uma boa história, por exemplo, na sequência cômica da galinha. Uma piada velha, mas que, graças a sofisticação da narrativa, se torna hilária e ganha contornos criativos inimagináveis, chegando a ser citada até no clímax dramático do longa metragem de forma muito eficiente.

Some a isso a relevância da trama que o mundo está chamando de "retrato de uma geração". Apesar de A Rede Social ser o ponto de vista de Eduardo Saverin e dos Winklevoss, pois Zuckerberg se recusou a falar tanto aos produtores do filme quanto a Ben Mezrich, autor do livro que o originou, Bilionários Por Acaso.

Se Fincher não faz justiça (ou faz) a pessoa real de Mark Zuckerberg, mostrando-o como um gênio com complexo de inferioridade que começa roubando de estranhos e termina roubando do melhor amigo, não é tão importante.

O que importa é que o diretor com certeza torna a trajetória do ex-aluno de Harvard uma obra de ficção que simboliza um retrato de todos os seus contemporâneos.

A Erica do filme nunca existiu, mas várias Ericas existiram pra muitos outros Marks, o que dá um sentido todo especial a cena final. A Rede Social é um filme incrível, uma história muito bem contada, onde Fincher traça com maestria a trágica ironia de alguém ter poder de criar uma ferramenta que rende bilhões de dólares, fazendo bilhões de pessoas do mundo se tornarem amigos online... só para no processo perder o único amigo verdadeiro que tinha. Quase tão trágica e irônica quanto a história do criador da Victoria Secret's que Parker conta a Zuckerbeg na boate, num dos grandes momentos do filme.


Um comentário:

Stark disse...

Muito boa a resenha Corto, parabéns. Mesmo com todo esse hype criado, considero A Rede Social um dos melhores filmes do ano, todavia não destaco como "o melhor do ano". E tenho a nítida percepção que esse é aquele típico filme que está exatamente no momento certo para ser assistido e contemplado.

E não poderia deixar de citar o grande David Fincher que mais uma vez acerta em cheio.

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