terça-feira, 20 de agosto de 2013
O Constrangido Robert Crumb
"Gastei muita tinta nesta vida..."
A Editora Seneca lança no final do mês A Mente Suja de Robert Crumb, sobre o cartunista que foi símbolo da contracultura e do underground dos anos 60, com histórias polêmicas, violentas e sexuais que rompiam qualquer tipo de convenção social.
Hoje com 70 anos, Crumb foi entrevistado pela Folha de São Paulo e demonstrou uma visão completamente diferente de sua obra.
Preocupado sobre o que os negros e as mulheres podem interpretar da faceta mais hardcore do seu trabalho ("A maioria das mulheres não gosta dessa parte da minha produção. Não as culpo. Por que deveriam gostar?"), Crumb faz uma reflexão dizendo se sentir constrangido (!) em rever parte da sua obra e que ele identifica ali muita raiva de quando era jovem.
Veja a entrevista:
Na apresentação do livro, o sr. diz se arrepender de algumas de suas histórias. Qual sua sensação ao ver esse trabalho mais pervertido reunido?
Estou velho, não tenho mais aquela raiva e paixão. Algumas das coisas que fiz quando jovem me soam tão cheias de raiva. É embaraçoso. Penso: 'O que estava passando pela minha cabeça?'. Ao mesmo tempo, para alguns leitores homens, esse é meu melhor trabalho, o mais raivoso e doentio.
Não incomoda ver publicadas hoje histórias que o fazem se sentir assim?
Há coisas que eu tenderia a preferir não ver mais, mas, se o editor gosta, quem sou eu para dizer que não deveria publicar? Nunca interferi nisso nem pretendo.
O sr. também faz um mea-culpa pelo uso de estereótipos racistas. Li uma entrevista em que chamava Hergé [autor de "Tin Tin"] de "racista vil". Acha injusto dizerem o mesmo do sr.?
Hergé era racista, as imagens dele não eram satíricas. As minhas sempre foram feitas com intenção satírica. Não parei para pensar que negros se sentiriam ofendidos. Quando penso que coisas que fiz ofenderam negros, eu me arrependo. Não significa que evitaria que fossem publicadas, porque acho que têm um ponto sobre o racismo. Mas não sou racista.
O livro inclui a história "Joe Blow", de 1969, sobre uma família em que os pais transam com os filhos, e que resultou num dos mais famosos casos judiciais envolvendo quadrinhos nos EUA. Como avalia as reações na época?
Era uma sátira aos estereótipos da família americana. Quando era jovem, queria explodir tudo isso. E foi a maneira ultrajante de explodir. Aquilo gerou uma reação das autoridades, o livro foi banido no Estado de Nova York. Foram levados a julgamento dois vendedores de quadrinhos. Nos EUA, eles processam o comerciante. Eu não fui incomodado, nem os editore. Os vendedores foram a julgamento e o juiz os considerou culpados [risos]. O caso ficou notório por causa disso.
Que lembranças o sr. guarda da sua visita ao Brasil, para a Flip, em 2010?
A mais forte foi o nível de pobreza nos arredores de São Paulo. Aquelas barracas em que as pessoas viviam nas periferias, ao lado da estrada. Era alguma coisa como animais, foi chocante para mim.
No ano passado, o sr. foi objeto de uma megamostra no Museu de Arte Moderna de Paris. Qual a sensação de ver seu trabalho num museu?
Eram salas e salas cheias. Pensei: "Meu Deus, fiz tanto trabalho". E aquilo era só uma fração, nem de perto tinha tudo ali. "Relaxe, se aposente", pensei [risos]. Gastei muita tinta nesta vida...
E em que gasta tinta hoje?
Estou fazendo desenhos para um livro que pretendo lançar nos próximos meses. Não é um livro de quadrinhos. Fiz dois livros chamados "Art & Beauty" [em 1996 e em 2003], desenhos de mulheres copiados de fotos, e estou fazendo o terceiro volume.
Como é chegar aos 70 anos?
O tempo passa cada vez mais rápido. A gente sente que não tem mais tanto tempo, então tem que priorizar o que importa. Tem que pensar enquanto consegue pensar bem. Uma coisa boa é não ter mais medo da morte. Mas você se sente mais cansado de muita coisa, do comportamento da sociedade, cansado, cansado...
Clique aqui e veja a entrevista no site da Folha de São Paulo.
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