sexta-feira, 28 de junho de 2013
Cine Climax: Pra Frente Brasil
O povo alienado assistindo e vibrando com a seleção brasileira achando que está cumprindo sua função patriótica enquanto inúmeras outras pessoas sofrem com a injustiça e a violência das autoridades. Não é algo novo no nosso país... infelizmente.
O diretor Roberto Farias tinha ficado conhecido mundialmente ao realizar Assalto ao Trem Pagador em 1962. Após o Golpe Militar de 1964, porém, dificilmente haveria espaço para um filme como aquele sem passar pela Censura.
Durante a década de 70 Farias foi o primeiro cineasta presidente da Embrafilme e nesse período dirigiu, entre outros, todos os três filmes estrelados pelo cantor Roberto Carlos, que na época era o maior ídolo da juventude.
Em 1982, Farias havia deixado a Embrafilme - o cargo passou a ser ocupado por Celso Amorim - e o Governo Figueiredo já havia decretado a Lei da Anistia, fazendo com que muitos presos políticos pudessem retornar ao Brasil enquanto que, por outro lado, muitos torturadores que desrespeitaram todos os tipos de direitos civis dos prisioneiros também foram beneficiados.
Neste ano, ainda sob um governo militar, Farias finalmente conseguiu lançar sua obra mais polêmica: Pra Frente Brasil. A história se passa em 1970, auge do Governo Médici, onde quase toda a população está sintonizada nos jogos da Copa do Mundo do México onde o Brasil se consagraria como Tricampeão Mundial de Futebol. Esse momento histórico ficou duplamente (e paradoxalmente conhecido tanto como Milagre do Crescimento Econômico quanto como os Anos de Chumbo).
Havia uma verdadeira guerra acontecendo: de um lado rebeldes e guerrilheiros de esquerda que queriam derrubar o governo totalitário e do outro, além dos próprios militares e dos policiais do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), seus maiores aliados (além do governo dos Estados Unidos) foram os grande empresários que financiavam milícias de direita e a grande mídia, que usou as obras, a industrialização e a própria a Copa do Mundo para difundir a idéia equivocada de que o Brasil vivia o chamado "Milagre Econômico", ainda que tenha sido registrado no período uma maior concentração de renda e um grande crescimento da miséria e da fome em grande parte da população...
Em suma: os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres. A diferença é que muitos não perceberam devido a estratégia publicitária que gerou uma verdadeira crise ufanista em todas as classes sociais e que, segundo o escritor Elio Gaspari, podia ser simbolizada pela canção feita para a seleção na Copa: Pra Frente Brasil.
Na história Jofre (Reginaldo Faria) é um pacato trabalhador que jamais se interessou por política, é casado com Marta (Natália do Valle), tem um emprego estável e dois filhos. Porém, ao dividir um táxi com um desconhecido sem saber que se tratava de um militante de esquerda, de um hora pra outra Jofre é capturado e "desaparecido". Enquanto seu irmão Miguel (Antônio Fagundes) procura desesperadamente por ele, Jofre é barbaramente torturado por Barreto (Carlos Zara) e seus homens, membros de um grupo paramilitar de direita.
Como essa milícia também é "clandestina" oficialmente a própria polícia não sabe do paradeiro de Jofre e suspeita que ele realmente se uniu aos guerrilheiros. Ao investigar Miguel acaba se envolvendo com a guerrilheira Mariana (Elizabeth Savalla) e descobrindo que Barreto era financiado por proeminentes membros da sociedade civil, inclusive seu próprio chefe (Paulo Porto).
Veja o filme COMPLETO:
Embora a história seja fictícia, vários fatos e pessoas mostrados realmente existiram:
- O grupo paramilitar de direita organizado pelo exército e bancado por ricos empresários era inspirado na Operação Bandeirante (OBAN) reunindo membros das Forças Armadas, Polícia Estadual e Polícia Federal para combater atos subversivos, seja através de espionagem, violência, prisão ou tortura. A questão é que a OBAN tinha tanta autonomia que por diversas vezes agiu à margem da lei e do próprio governo. Mesmo freis ou professores universitários eram alvo pra eles caso imaginassem que fossem comunistas.
- Apesar de organizado pelo exército, eles de fato foram financiados por grandes empresários, como o dinamarquês Hennigen Albert Boilsen, dono da Ultragas e conhecido por ter prazer em assistir as sessões de tortura. Ele foi morto num atentado por dois grupos de esquerda de uma forma idêntica a qual um dos empresários é morto no filme.
- O personagem Barreto foi inspirado no delegado Sergio Paranhos Fleury, ex-diretor da OBAN, conhecido pela truculência e brutalidade, física e psicológica.
- A inacreditável cena da "aula de tortura" com platéia assistindo também é verdadeira. É uma das maiores infâmias ocorridas no Brasil que chegou ao conhecimento do resto do mundo. Ela foi retratada em outros filmes como Estado de Sítio de Costa Gravas. Veja aqui o relato de uma prisioneira usada como cobaia. Alguns ainda acusam os responsáveis de terem usado não só prisioneiros, mas também sem teto e mendigos na "experiência".
- O ex-Ministro das Relaçoes Exteriores Celso Amorim foi pressionado a se demitir da presidência da Embrafilme por ceder dinheiro público para financiar Pra Frente Brasil. Houve uma verdadeira batalha para a liberação do longa metragem nos cinemas. A verdade é que pelos anos em que Roberto Farias passou trabalhando na Embrafilme, ou seja, trabalhando ao lado das autoridades, o Exército nunca imaginou que o cineasta realizaria uma obra com denúncias tão chocantes contra absurdos ocorridos no regime militar.
- Pra Frente Brasil ganhou os prêmios de Melhor Filme e Melhor Edição no Festival de Gramado, os prêmios do Ofício Católico do Cinema e da Associação dos Cinemas de Arte da Europa, foi indicado ao Urso de Ouro em Berlim e recebeu a Margarida de Prata da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Todos os comentários e críticas são bem vindos desde que acompanhados do devido bom senso.