sábado, 29 de novembro de 2014

Até Sempre Chespirito

por
Corto de Malta


Dia 28 de novembro de 2014 o meu mais velho amigo de todos partiu numa longa viagem.

Roberto Gómez Bolaños, o Chespirito, morreu aos 85 anos. É tão estranho. E ao mesmo tempo natural. Ele estava idoso e doente, notícias falsas sobre sua morte pipocavam na web a meses. Mas... tem algo estranho. E não sei bem o que escrever.



Chespirito, o Pequeno Shakespeare, foi um dos maiores humoristas de todos os tempos. Criou a maior sátira aos super-heróis, El Chapulín Colorado, o Chapolin Colorado. Liderou nos anos 70 um dos três maiores grupos de comédia do mundo, ao lado dos Irmãos Marx e Monty Python. Foi o principal responsável pelo programa humorístico número 1 da TV mundial, El Chavo Del Ocho, o Chaves.




Foi escritor, ator, diretor, compositor, cantor, produtor e cambista de ingressos do circo romano. Seus programas de TV exerceram um fascínio tão gigantesco que mesmo passadas décadas e mais décadas continuam atraindo legiões de fãs e quebrando recordes de audiência.



Ele e seus companheiros são admirados e amados por pessoas de diferentes épocas em diferentes países. Quebraram a barreira do espaço e do tempo como o próprio Chapolin fazia na série toda hora  indo desde a Antiguidade até os confins do Espaço Sideral, capturando os planetas.



Chespirito devia ter sido engenheiro, mas acabou na Arte. Seria um bom engenheiro? Talvez sim, talvez não, mas o mais certo é... quem sabe? Escreveu roteiros para muitos comediantes de seu tempo e logo acabou se tornando também ator.



Sua primeira grande criação, o Dr. Chapatin, surgiu roubando a cena num episódio piloto de uma atração que nunca foi ao ar. Anos depois ele o resgatou no seu primeiro grande sucesso: Los Supergenios de La  Mesa Cuadrada no fim dos anos 60. Este mesmo programa já apresentava seus companheiros Ramón Valdés, María Antonieta de las Nieves e Rubén Aguirre, que já vivia o Professor Girafales aqui.



Entre os quadros do programa quatro se destacaram: El Chapulín Colorado, Los Caquitos (aquele dos ladrões), Los Chifladitos (aquele dos loucos) e El Chavo del Ocho. Aos poucos foram se unindo ao grupo Carlos Villagrán, Florinda Meza, Édgar Vívar, Angelines Fernandez, Horacio Gómez Bolaños, entre outros. Chespirito decidiu que o humor dos Super Gênios era muito datado, bastante parecido com o utilizado hoje em dia, aliás, na maioria dos programas de humor.



Ele decidiu então apostar mais na dramaturgia e nas piadas atemporais. Assim, a atração foi transformada nos programas solo de Chapolin e Chaves em 1973. A partir daí aconteceu a história de sucesso mais bonita da televisão. Não sem seus percalços. Rubén, María Antonieta, Carlos e Ramón abandonaram os programas para seguirem carreira solo. Rubén e María Antonieta voltaram. Carlos não. Ramon retornou após o fim dos programas em 1979, quando Chaves e Chapolin voltaram a ser quadros dentro no recém criado Programa Chespirito (também conhecido aqui como Clube do Chaves). Mas saiu de novo. Pouco antes do fim da fase clássica Raúl Padilla havia sido chamado para reforçar o elenco.



O Programa Chespirito ficou no ar até meados dos anos 90 capitaneado pelo quadro Los Caquitos, o qual evoluiu nos anos 80 ao mostrar os ladrões se regenerando e levando uma vida decente... após assistirem um episódio em que Chaves é acusado injustamente de ser um ladrão. Uma genial sacada metalinguística entre as séries. Chespirito ainda lançou cinco filmes pra Cinema acompanhado de sua trupe: El Chanfle, El Chanfle 2, Don Ratón e Don Ratero, Charrito - Um Herói Mexicano e Música del Viento.




Chaves e Chapolin fizeram rir milhões. Eram uma mistura única de várias formas de humor: a comédia clown, a comédia de bordões, a comédia de erros, a comédia de situação, a comédia pastelão, a comédia musical, a paródia, o humor nonsense e até o humor negro.














Numa época em que todos os programas humorísticos nos EUA, México, Brasil e etc. tinham astros e estrelas principais fazendo dos demais membros do elenco meras ''escadas'' pro seu brilho solo, Chespirito deu a todos a oportunidade brilharem. Assim Chaves, Seu Madruga, Quico, Chiquinha, Dona Florinda, Professor Girafales, Sr. Barriga e a Bruxa do 71, isto é, a Dona Clotilde, tornaram-se personagens fundamentais na Vila do Chaves, acompanhados de outros também carismáticos como Nhonho, Popis, Godinez, Dona Neves Jaiminho, o Carteiro, Paty, Gloria, Sr. Furtado... ou os nem tão carismático como Malu, Elizabeth, Seu Madroga, Dona Edwiges, o Velho do Saco, Sr. Calvillo, o Dono do Parque. Mas em algum momento todos brilharam naquela vila. Até mesmo participações especiais como a do ator Héctor Bonilla interpretando ele mesmo mantém-se firmes na memória afetiva do público.




Chaves e Chapolin chegaram ao Brasil nos anos 80 pela TVS, hoje SBT. Apesar de Chapolin oscilar na programação, Chaves continua sendo exibido e fazendo sucesso até hoje. Diversos outros programas estrearam, fizeram sucesso, foram reprisados e completaram um ciclo. Chaves ainda está lá.



Eu fui uma das muitas crianças brasileiras que assistiu as séries desde sua estreia nos anos 80... e ainda assisto. Uma das lembranças mais antigas que tenho é estar na frente da televisão de casa assistindo Chapolin e Chaves. Foi algo que me acompanhou em momentos de alegrias e tristezas. Quando pequeno, eu era um menino bem doente. Tinha um problema de garganta e antes de extrair as amígdalas eu tinha muita febre e o médico recomendava a minha mãe que não me deixasse dormir.



Eram noites horríveis que eu tinha que passar em claro com o cheiro forte do pano encharcado de álcool na minha testa pra passar a febre, tossindo sem parar. Mas minha mãe me distraia conversando comigo sobre o que tinha acontecido na vila do Chaves naquele dia. Como eu também morava numa vila os acontecimentos do mundo real se confundiam com a ficção e não havia barreira pra uma criança naquela condição. Amigos, parentes e vizinhos se confundiam com os personagens de Chespirito na minha imaginação febril.



Quando voltava do hospital no carro eu só queria chegar em casa pra ver os programas. Devia ter uns quatro anos de idade, mas esses acontecimentos ficaram marcados na minha memória.

As vezes eu penso que o Chaves salvou a minha vida. 



Como eu, existem diversas outras pessoas que possuem laços estreitos e emocionais com as séries. Uma vez li sobre a impressionante história de um senhor que estava em estado catatônico há anos, prostado numa cama de hospital e, num belo dia quando a televisão a sua frente exibia os humorísticos mexicanos, uma enfermeira passou e se surpreendeu quando o ouviu rindo e balbuciando: "Chapolin". Corre também a história de que Roberto Marinho teria certa vez flagrado dois de seus funcionários assistindo Chaves em plena Rede Globo.



Aliás, uma coisa que sempre me incomoda é que quando vão tecer elogios às séries as taxam como "bobas, inocentes, inofensivas" etc. Na verdade trata-se de um falso elogio. Por mais que façam parte da nossa infância elas não eram programas infantis e sim direcionadas a todas as idades. Claro que era algo da década de 70, mas absolutamente nada na história da Televisão no mundo envelheceu tão bem. Tanto em seu tempo quanto agora, mesmos em meio aos seus bordões repetitivos e limitações técnicas, eram atrações diferenciadas.



Graças a paródia de Fausto no Chapolin eu conheci Goethe, por exemplo. Meu Deus, quem entre os humoristas que conhecemos citaria Goethe e Chopin ou Dom Quixote e Guilherme Tell? Que grupo humorístico faria num mesmo programa referências ao estilo de Charlie Chaplin, o Gordo e o Magro, Jerry Lewis, Peter Sellers, Cantinflas e Buster Keaton? Quem bolaria a história das aventuras de um super-herói cômico e cheio de bugigangas que enfrentava múmias, alienígenas, piratas, assaltantes, pistoleiros, assassinos, contrabandistas, nazistas, espiões, monstros, bruxas, vampiros, lobisomens, fantasmas, robôs, astronautas, gigantes, cientistas loucos, aerolitos, formando programa duplo com as aventuras de um garoto órfão abandonado que vivia num barril e morava num cortiço com seus amigos?






























Um colega me disse certa vez: 

"Com Chaves a gente se divertia. Com Chapolin a gente viajava." A criatividade de Chespirito ia do mais humilde ao mais ousado. Não havia limites.



Chaves e Chapolin tinham sim um humor bobo e repetitivo, mas também iam MUITO além disso. Além de todas os tipos de comédia diferentes que atravessavam as atrações, era marcante a crítica social no texto de Chespirito. Chaves sendo acusado de ladrão, deixado pra trás quando todos vão a Acapulco, tendo que ir pra escola no primeiro dia de aula na condição de órfão enquanto todos tem um pai ou uma mãe, querendo ir pro hospital pra comer 3 refeições por dia, compartilhando com o Seu Madruga a comida do aniversário do Quico, passando noite após noite dormindo encostado na porta da casa do pai da Chiquinha esperando em vão pelo desjejum, entregando seu presente de Natal pro filho da porteira porque ele era uma criança pobre, ou na antológica cena em que diz que rezou para o Sr. Furtado se arrepender, são sequências tão importantes quanto as piadas mais engraçadas.







Por muitas vezes Chapolin fazia a mesma coisa como quando deu de comer a um mendigo que roubava comida, convenceu Seu Mundinho que ser fiscal sanitário era mais valioso do que ser um super-herói da TV, fez com que um menino mimado desse metade dos seus brinquedos pra um pobre homem que roubava pra dar pro filho, ou consolou um velhinho quando iam demolir o estúdio de Cinema onde ele trabalhava.




Entre Chaves, Chaparrón, Chompiras, Chapatin e tantos outros Chespirito podia até se parecer com um ou outro em uma ou outra circunstância, mas acredito que a personalidade mais próxima da real dele era a do Chapolin. Irônico porque Chapolin só foi interpretado por ele no início porque todos os atores disponíveis recusaram o papel. Talvez por isso, mais do que nos demais, houvesse a necessidade de enfatizar os defeitos do personagem, porque eram defeitos dele, assim como sua vocação para ao menos tentar praticar o bem, porque era isso que ele queria.

Ou talvez eu só ache isso porque ele foi o meu herói.



Na sua última mensagem na internet Chespirito dizia "Todo o meu Amor para o Brasil." Também amo você. Todos nós amamos. Especialmente as crianças que ainda vivem dentro de nós. Pois como você mesmo cantou "a juventude nunca morrerá".



Hoje eu descobri que no Paraíso tem Sanduíche de Presunto. Prometemos despedirmos sem dizer Adeus Jamais, pois haveremos de nos reunirmos... muitas, muitas vezes mais.

Até Sempre Amigo.



E é claro que não dá pra terminar com tristeza um post sobre alguém que sempre nos ensinou a rir de tudo... até mesmo da morte... e que a maior alegria...

...é viver.

2 comentários:

Rafael Kaen disse...

Muito legal esse texto, parabéns, não encontrei crônica melhor que essa!

fabitorocha.silva@gmail.com disse...

Chespirito o Melhor dos dramaturgos que já existiu!

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