sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Climatinê: Azul é a Cor Mais Quente por Corto

por
Corto de Malta

Depois de toda a confusão envolvendo Azul é a Cor Mais Quente [veja aqui] finalmente fui ver aquilo que realmente deveria interessar: o filme em si.

Azul é a Cor Mais Quente conta a história de Adèle (Adèle Exarchopoulos) é uma adolescente que que descobre no azul dos cabelos de Emma (Lea Seydoux) sua primeira paixão por outra mulher. Mesmo escondendo seus desejos das pessoas ao redor, ela mergulha de cabeça numa intensa relação com Emma, enfrentando dilemas e problemas causados tanto pela relação a dois quanto pela sociedade.


O diretor Abdellatif Kechiche toma como base a graphic novel de Julie Maroh e dá sua própria visão sobre o desabrochar de Adèle através de uma atração e posterior consumação de um sentimento por uma pessoa do mesmo sexo. Mas que sentimento é esse? Ao contrário do que muita gente diz, se você interpretar diversas passagens da obra pode muito bem concluir que Adèle nunca amou Emma. 

 Ela podia projetar na jovem de cabelos azuis (que perdem essa cor com o passar do tempo, talvez exprimindo o desencanto na relação das duas) muitos sentimentos como Desejo, Fascinação, Paixão, Admiração, Obsessão etc., mas o desenrolar da história delas passa a impressão que o sexo era fundamental para as duas se entenderem exatamente porque elas não se entendiam.


Não existe uma conexão emocional das duas fora da cama. Emma simplesmente puxa a protagonista para seu modo de vida e ela vai junto, agindo sempre como se se sentisse obrigada a estar lá. Existe um momento em que a namorada tenta abrir os olhos de Adèle para alguma ambição pessoal que ela possa almejar na vida, mas jamais consegue tirá-la do torpor de seu conformismo. Emma desperta o corpo de Adèle como o rapaz com quem ela se relaciona antes nunca conseguiria... mas, durante toda sua trajetória juntas, em nenhum momento ela é capaz de fazer o mesmo pelo seu espírito.

Neste caso as cenas explícitas do ato sexual servem sim para um propósito na história. E sim, a princípio a crítica de que Kechciche quis utilizar as duas atrizes para realizar um fetiche parece fazer sentido... mas é uma parte da verdade que nubla o entendimento do contexto.


Todos os filmes de Kechiche põe em primeiro plano um certo naturalismo que pode ser facilmente confundido com realismo, algo comum para muitos espectadores de obras de cineastas tão diferentes entre si como Michael Haneke e Christopher Nolan. Numa visão superficial as pessoas vislumbram semelhanças com o mundo real e acham que estão assistindo trabalhos realistas, sendo que na verdade as obras deles se passam num lugar que não é o nosso mundo real.

Ou seja, não é porque Kechiche faz questão de filmar gente comendo de boca aberta na mesa do almoço que ele é obrigado a mostrar duas mulheres transando numa posição sexual que daria prazer a uma mulher. Sim, porque na vida real dificilmente duas mulheres fariam sexo daquela forma, mas essa é a visão do diretor e a visão do diretor é uma expressão artística de algo real cujo resultado pode até não ser realista e despertar a fúria da autora do livro e de outras mulheres, mas é graficamente bonito e esteticamente relevante.


O ponto negativo é que, se Kechiche não quer contar uma história de amor, ele tão pouco vai falar sobre o preconceito. Não existe resolução para nenhum dos conflitos iniciados pelo fato da protagonista se envolver com uma pessoa do mesmo sexo. Azul é a Cor Mais Quente usa elipses o tempo inteiro, tanto que praticamente todos os conflitos do longa metragem podem ser vistos no trailer.

O objetivo de Kechiche é um só: traçar um retrato íntimo de Adèle. Mais do que tirar sua roupa, ele quer desnudar sua alma. Para isso conta com uma interpretação intensa de entrega absoluta da atriz Adèle Exarchopulos. A atuação dela é uma coisa linda de se ver. Mas ainda assim Azul é a Cor Mais Quente não é um filme brilhante.


Todos os recursos que eu citei anteriormente - do estilo autoral do cineasta a atuação impactante da atriz - não são suficientes para estabelecerem Adèle como a figura humana e fascinante que o diretor planejou. Como falei antes, ela é uma pessoa conformista e imatura e por mais que isso seja interessante, num filme assim acaba trazendo a sensação desagradável que o tempo demora pra passar. E quanto mais demora pra passar mais irritante Adèle vai se tornando, até que seus defeitos cansam o público dela exatamente como ocorre com sua parceira a certa altura.

E o pior é que o filme não termina aí. Ainda continua além disso. O que faz a gente lamentar em alguns momentos que o diretor tenha deixado em segundo plano a discussão sobre preconceito. Como se o cineasta fizesse questão de deixar todas as pistas disponíveis de uma charada que talvez nem ele mesmo tenha a resposta. Por mais que o próprio longa metragem até brinque um pouco com essa falta de rumo na cena final, isso tira parte do sabor e da força de Azul é a Cor Mais Quente.


Como eu falei: Não é uma história de amor. Não é uma história sobre preconceito. É uma história sobre a Adèle. Mas quem é Adèle? Terminamos o filme sem saber.

Apesar disso duas cenas são inesquecíveis e bem mais significativas que as sequências de sexo. Aliás, são quase metalinguísticas: numa Emma mostra pela primeira vez uma galeria de arte para uma indiferente Adèle e, em meio a toda aquela nudez, ela tenta explicar a amada como aquilo pode ser uma expressão artística. Definitivamente Emma é a representação do próprio Kechiche.


Já perto do final, um outro momento memorável é quando o personagem de um ator diz para a protagonista que estava cansado de trabalhar com diretores megalomaníacos. Inevitável pensar o quanto essa cena dialoga com o mundo real, mesmo que não intencionalmente.




Um comentário:

Renver disse...

Mas vc gostou ou não do filme?

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