quarta-feira, 27 de junho de 2012
Climatinê: O Espião Que Sabia Demais
O melhor filme de espionagem em muito tempo.
Tinker, Tailor, Sailor, Spy. Parece até uma rima, mas é o título original do livro e do filme homônimo O Espião Que Sabia Demais.
Já faz meses que este filme passou no Cinema no começo deste ano, mas sempre vale a pena falar quando se trata de um trabalho ímpar, que foi o que Thomas Alfredson fez aqui, adaptando a difícil e idiossincrática obra de John Le Carré. Em O Espião Que Sabia Demais Gary Oldman dá vida ao protagonista, George Smiley que, após uma missão fracassada em plena Guerra Fria, se vê forçado a se aposentar do Circus (como o Serviço Secreto Inglês é chamado nas obras de Le Carré) junto com seu chefe, Control (John Hurt).
Passa-se algum tempo e Smiley é novamente recrutado para uma nova missão ultra-secreta: descobrir quem esteve infiltrado no alto escalão do Circus durante anos trabalhando como Agente Duplo, se envolvendo na vida pessoal e profissional dos colegas, intercedendo em missões que deram errado como a da cena de abertura e passando todos os tipos de informações imagináveis para o lado de lá do Muro de Berlim, especificamente para o "vilão invisível soviético", Karla. Para isso ele deverá seguir pistas deixadas pelo falecido Control... Funileiro, Alfaiate, Soldado, Espião... contar com aliados muitas vezes instáveis e investigar a fundo cenas aparentemente banais de seu próprio passado no Serviço Secreto. Tudo isso num clima de tensão cada vez mais sufocante.
Vendo as reações das pessoas, é até bem previsível que a adaptação tenha afastado alguns por ser lenta e reflexiva, mas o que realmente estranhei foram tantas opiniões dizendo que o longa-metragem é confuso. Que nada. Quando se desenrola o emaranhado do novelo e, obviamente, se ignora as pistas falsas, tudo é muito simples e todo o "grande plano" é gloriosamente desmistificado. Tão desmistificado quanto a árdua, enfadonha, ingrata, burocrática, perigosa e por vezes insana rotina dos espiões retratada por Le Carré, ele próprio egresso do mundo da espionagem. A grande sacada de Alfredson ao adaptar o livro nesse belíssimo filme foi não tentar mascarar o que muitos veriam como defeito nesta miríade de existências frustradas por ilusões ôcas, e sim apostar tudo no que há de mais relevante nesses relatos: o forte aspecto humano.
É muito legal ver um mosaico de histórias que se agregam a de Smiley, em impecável atuação de Gary Oldman, juntamente com os talentos de atores como Benedict Cumberbatch, Tom Hardy, Colin Firth, Mark Strong, Toby Jones, David Dencik etc., onde TODOS conseguem um momento pra brilhar em fantásticas representações daquelas figuras tão apaixonantes quanto patéticas, tão enigmáticas quanto surpreendentes... mas sobretudo humanas. Somado a isso existe de fato uma ótima trama de mistério, cheia de nuances interessantes, aonde pequenos detalhes fazem uma gigantesca diferença na vida das pessoas.
Basta dizer que toda a ardilosa trama começa cronologicamente por causa de um isqueiro dado de presente num gesto impensado. Um simples isqueiro que começa como uma pequena nuvem e cresce pra se tornar maior a ponto de ir deflagrar toda uma tempestade sobre a cabeça de todos os espiões da Grã-Bretanha e capaz de mudar todo o rumo da Guerra Fria envolvendo nações do mundo inteiro.
Pra mim, só foram equivocadas a escalação do ator que se revela o Agente Duplo no fim (mesmo que ele mande bem eu não o colocaria neste papel nesse momento) e a opção do diretor de não mostrar nunca o rosto da mulher de Smiley. A narrativa é fascinante, ajudada por uma excelente trilha sonora para pontuar o suspense e, mesmo que a verdade se revele pouco a pouco, é muito instigante aguardar as revelações sobre a conspiração e as consequências que isso tem sobre os envolvidos. Para a história ser completamente apreciada precisamos entrar na mente de Smiley enquanto Smiley entra na mente de Karla.
A primeira vista, o Circus parece ser igual a qualquer grande empresa com suas intriguinhas, burocratas corruptos, pessoas disfarçando sua real sexualidade, roubos de cargo e de mulheres dos colegas, ou mesmo festinhas hipócritas de confraternização. A diferença crucial é que o trabalho daqueles homens pode significar a vida e a morte de muitos outros, portanto uma coincidência nem sempre é uma coincidência, um olhar inocente nem sempre é tão inocente e, principalmente, uma posição de segurança nunca é segura pra sempre. Aqueles simples funcionários do Circus em sua rotina fatigante do dia-a-dia, TODOS ELES, tem o potencial pra serem uma bomba-relógio ambulante. Ainda que O Espião que Sabia Demais afaste os fãs do modelo de espionagem heróico de James Bond, Jason Bourne e cia. por apresentar as verdades desagradáveis do trabalho sujo de um agente secreto, existe uma máxima comum tanto na vida real quanto na ficção: nunca confie num espião.
O diretor Thomas Alfredson assim honra o trabalho de Le Carré pregando uma peça no público menos atento. Após retratar a rotina nada glamourosa do autêntico mundo da espionagem, acaba por nos levar (e ao próprio protagonista) a chegar a conclusão de que, sob a máscara da normalidade, um espião é sempre um espião.
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