sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Da Prensa: Moby Dick

por
Renver

Todos conhecem — mesmo os que ainda não leram o ro­mance de Melville — a história de Moby Dick: o herói, o moço Ismael, vai a New Bedford e engaja-se como marujo num na­vio baleeiro, o Pequod. Seu companheiro na aventura é um estranho homem de cor, Queequeg, príncipe de uma tribo ca­nibal da Polinésia — um primitivo em todo o esplendor bár­baro da sua condição de selvagem. O comandante do Pequod é o capitão Acab, homem que sofre de uma estranha e perigo­sa loucura, a paixão de ódio por Moby Dick, a baleia branca astuta e feroz, que todos os marinheiros conhecem e temem, e que já arrancou uma perna do capitão Acab num duelo anterior...
(Rachel de Queiroz - “Moby Dick, A Fera do Mar”)

É tão estranho definir o que é Moby Dick, quanto explicar o estranho fascínio que esse livro exerce sobre o leitor. O público em geral tem uma visão muito simplista desse livro achando que tudo se resume a história de uma caçada a grande e feroz baleia (acredito que isso se deva em parte as adaptações do livro pra outras mídias). Uma visão deliciosamente equivocada.

Moby Dick ou A Baleia (o título original em Londres) é um livro de 1851, de Herman Melville (01/Agosto/1819 – 28/Setembro/1891) que teve uma vida marcada pelo mar de 1839-1844. Serviu como ajudante de navio; arpoador; chegou a ser preso por participar de um motim; conviveu com canibais, os Typee  das ilhas Marquesas (na Polinésia Francesa); e apoiou uma forte oposição contra missionários no Havai por tentarem converter a população local. Toda essa experiência de vida do autor explica a razão do apego incondicional do selvagem canibal Queequeg com Ismael (o narrador da história), e as críticas à hipocresia cristã/puritana da época, contidas em Moby Dick.

Escritor de 10 romances e alguns contos, Moby Dick foi o auge e o começo do fim pro autor, infelizmente a crítica e o público da época menosprezaram o livro. Herman Melville morreu aos 72 anos no total esquecimento, vítima de um ataque cardíaco, na época nenhum jornal publicou o seu falecimento. Sua obra só foi reconhecida em meados da primeira guerra mundial.

Por que o fascínio por Moby Dick? São os detalhes!!! Uma trama que se desenvolve lentamente, a viagem no baleeiro (o Pequod) começa só depois da página 100 e o confronto final (e praticamente único) com a baleia acontece nas últimas 100 páginas. São mais de 600 páginas repletas de referências bíblicas, mitológicas, filosóficas e shakesperianas. 

Com uma narrativa verborrágica quase poética em alguns trechos. Embora a caça à baleia seja trama principal, o livro é uma leitura rica em simbologias e possíveis analogias, entre elas:

- O grande Leviatã Moby Dick (sim é uma baleia macho) talvez seja o puritanismo prevalecente na sociedade americana do final do século XIIX, e a caçada uma revolta contra este.

- Uma metáfora da passagem da sociedade para o capitalismo organizado.

- Ou talvez uma estranha analogia sobre o preconceito racial e religioso da época. Vejam este Estudo Avançado.



E por fim o prato principal: A grande caçada. Conforme a trama se desenvolve fica aquela a sensação do destino inevitável. O livro vai dando amostras - através de presságios, profecias e o rastro de destruição de Moby Dick - do que vai acontecer ao Pequod e aos seus tripulantes e mesmo assim os protagonistas não recuam...

O capitão Acabe exerce uma influência selvagem e inexplicável sobre todos, mesmo sobre o racional Starbuck (primeiro imediato de Acabe) e nas palavras de Acabe encerramos essa resenha:

“Eu me sinto velho, Starbuck, e careca, como se fosse Adão mancando sob as pilhas dos séculos, desde o paraíso.”



Curiosidades:
A sinopse no começo dessa resenha foi extraída da versão Biblioteca Folha de “Moby Dick” (1998). Encontra-se na página 649 em diante.

- No decorrer do livro Ismael (o narrador) explana sobre cetologia de forma tão didática que chega à parecer algum outro livro sobre fisiologia das baleias. Esses capítulos são classificados pelo público e crítica como “Capítulos Técnicos”. Que entre outras coisas abordam a descrição minuciosa dos equipamentos e métodos de pesca baleeira.

- O livro te obriga a pesquisar. Eu mesmo aprendi muito sobre mitologia grega, costumes da cultura indígena, cultura marítima, sobre as diferentes partes de um navio (o que é um “castelo de proa” ou um “mastro de mezena”) e claro sobre baleias.

- Outro detalhe interessante é o constante desapego à trama principal, em determinado capítulo temos os acontecimentos de forma linear (a caça à baleia), no capítulo seguinte, por exemplo, Ismael descreve um caso de anos depois envolvendo uma viagem à Índia cujo objetivo era a pesquisa no hinduísmo sobre referências à baleia.

- A reverência, o respeito e acima de tudo a obsessão pelo conhecimento sobre baleias que o narrador demonstra é algo fascinante, chega uma hora que ele chama a baleia do “Deus dos oceanos”.

- Tem 2 trechos (na verdade são vários) nesse livro que eu acho simplesmente magníficos. O primeiro quando descreve a voracidade dos tubarões (afinal na pesca baleeira do século XIX a carcaça da baleia ficava amarrada junto ao navio um tempo considerável). E a segunda, é uma breve a descrição (quase poética), de como as baleias reverenciam o sol, segundo o narrador elas tem a peculariedade de cantar para o sol quando este surge no horizonte.

- Segundo algumas informações na internet, a edição original tinha 666 páginas.

- Uma ultima observação. Uma noção bíblico-cristã básica ajuda muito, o livro está mergulhado em referências e analogias bíblicas, inclusive trechos apócrifos.


O maior desafio dessa resenha é despertar o interesse nas pessoas que ainda não leram Moby Dick e também agradar aquelas que já leram. São tantos detalhes que muitas vezes não sabia nem por onde começar, por isso me desculpem pelo tamanho desse post.

Mesmo sendo um livro grande, com alguns trechos cansativos, dê uma chance a ele, tenho certeza que vocês não vão se arrepender. A maioria dos capítulos são curtos, no máximo 6 páginas, isso facilita a leitura e também apreciação lenta do livro (eu mesmo levei quase 3 meses pra ler).

E se vocês quiserem uma resenha didática e muito mais rica sobre Moby Dick vejam esses links:

Moby Dick - Editora COSACNAIFY - parte 1

Moby Dick - Editora COSACNAIFY - parte 2

Pessoal, ainda teremos um post (garanto, bem mais curto) falando sobre as adaptações do livro.
Até a próxima!!!

5 comentários:

Anônimo disse...

Lilian

Nossa nem imaginava que o livro é tão denso assim... Não é toa que é tão referenciado na cultura pop, até em Arquivo X tem uma pequena referência a ele.

Bom post menino Renver.

O.M.A.C. disse...

O livro te obriga a pesquisar;
o constante desapego à trama principal;
A reverência, o respeito e acima de tudo a obsessão pelo conhecimento;

Me lembrou o Grant Morrison...

Renver, você já leu também No Coração do Mar: a História Real que Inspirou Moby Dick de Melville?

Renver disse...

Não O.M.A.C.

NATHANIEL PHILBRICK não é?!

Bom não li...mas aí vale à pena?

Só vi 2 filmes (e uma HQ do Will Eisner) o dos anos 50 e um com o Professor Xavier.

Anônimo disse...

òtimo post

Letícia Santos disse...

Muito boa a resenha, esclarecedora e suscinta!

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