terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Climatinê: Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro Por Corto Maltese

por
Corto de Malta

Demorei pra conferir Tropa de Elite 2, mas o momento não poderia ser mais propício. Enquanto assistia ao longa de José Padilha no Cine ODEON escancarando a podridão do sistema e a fragilidade do governo, a nova presidente tomava posse em Brasília.


O primeiro Tropa de Elite era um filme que criticava a corrupção da sociedade brasileira, através do ponto de vista do Capitão Nascimento, comandante do BOPE (Batalhão de Operações Especiais) e sua visão pessimista da realidade do Rio de Janeiro.
Com uma narrativa tão ou mais certeira que sua precisão com uma arma, Nascimento criticava os traficantes que criam um estado paralelo no morro, os moradores e as ONGs que eram coniventes com o tráfico, os playboys que financiavam o crime comprando droga com o dinheiro dos pais ricos e os policiais militares e seus esquemas de corrupção.




Como a solução encontrada por Nascimento e pelo BOPE pra impor a justiça em meio a essa realidade era usar tanta violência quanto aqueles que combatia, o filme sofreu intensas críticas que o acusavam de ser de direita e de fazer do Capitão Nascimento um herói nacional, tamanho o sucesso do longa metragem, mascarando que na verdade ele não passava de um assassino.

Eu nunca achei que o filme quisesse passar essa mensagem ou mesmo que quisesse determinar que o ponto de vista conservador de Nascimento fosse o certo. Por isso fiquei feliz quando descobri que tanto o diretor José Padilha quanto o intérprete do protagonista, Wagner Moura, também pensavam assim e com esse conceito em mente criaram uma espetacular sequência.

O filme começa onde o outro terminou. O ex-aspira Matias se tornou uma espécie de "novo Nascimento" no BOPE, mas o próprio Nascimento acabou desistindo de se aposentar após a mulher tê-lo deixado e agora era Coronel. Seguindo a narrativa dele, as coisas começam a mudar quando um perigoso traficante do Comando vermelho, vivido numa participação especial por Seu Jorge, domina Bangu I e começa a chacinar seus rivais do Terceiro Comando e dos Amigos dos Amigos.



Nascimento é a favor de deixar todos se matarem, mas as autoridades concordam com o traficante em chamar Fraga, um defensor dos direitos humanos, e atual marido da mulher de Nascimento.
Fraga consegue acalmar os ânimos, mas Matias desobedece Nascimento duas vezes seguidas e, "programado para matar", acaba também causando uma chacina no presídio.

O resultado: Matias é rebaixado de volta a polícia militar sob o comando de seu "velho amigo", o corrupto Comandante Fabio, Fraga culpa Nascimento e Matias e se elege deputado para combater aquele tipo de barbárie com apoio da imprensa e Nascimento é promovido a Subsecretário de Segurança do Rio com apoio do povo, que o torna um herói... praticamente num jogo metalinguistico com a fama e as críticas que o personagem teve no primeiro filme.

"A sociedade é construída sobre a confiança, e a confiança, sobre a crença na integridade de outra pessoa."
Robert South

Os anos passam enquanto é estabelecido um conflito em que tanto Nascimento quanto Fraga discordam tanto sobre o destino da cidade quanto sobre o tipo de educação dado ao filho do primeiro.
Essa tensão faz Nascimento transformar o BOPE numa "máquina de guerra" pra tentar erradicar o tráfico. Ele contava assim que  isso enfraqueceria também os corruptos, mas sem perceber, acabou criando uma nova ameaça que Fraga é o primeiro a notar: a milícia.


José Padilha conta como os policiais corruptos dominaram as favelas no lugar dos traficantes através da ascenção do PM Rocha criando uma verdadeira máfia com a mesma engenhosidade do primeiro filme.
Como o próprio Nascimento resume: 

"Eu criei o monstro que ia me engolir."

Mas é aí que Tropa de Elite 2 vira um "monstro de filme". Padilha decide denunciar não só os peixes pequenos, mas os graúdos também. Estão lá o deputado corrupto que usa um programa sensacionalista na TV  pra se auto promover, o Secretário de Segurança que opera como capo, lavando as mãos quando a sujeira vem na direção dele e o Governador sorridente e conivente com tudo que lhe garanta votos.  E não há exército, por maior e mais bem equipado que seja, que possa vencer um inimigo que na verdade é interno.

Nesse ponto Matias ressurge na história mostrando que até o até então incorruptível BOPE pode ser manipulado para servir interesses escusos e nem mesmo a percepção de Nascimento de toda essa dissimulação vai impedir que o verdadeiro inimigo ganhe terreno pois, numa bela virada de roteiro, Matias agora enxerga Nascimento como Nascimento enxergava Fraga: um engomadinho tolo e corrupto que não vai ajudar em nada, só atrapalhar.
Assim nem mesmo Nascimento é capaz de impedir uma tragédia que vitima sem dó policiais, jornalistas e até mesmo familiares.

Um momento emblemático é a impressionante cena em que os bandidos arrancam a arcada dentária de um crânio num "cemitério" enquanto, mesmo sem saber, fazem uma citação a Shakespeare.


Enquanto o cinismo e a visão retrógrada de algumas pessoas sobre a política do Brasil as impede ver algo mais do que uma continuação de esquerda de um filme de direita, o roteiro do filme é bastante inteligente ao retratar o óbvio:
Por mais que Fraga veja Nascimento como vilão, ele não é vilão.
E por mais que Nascimento veja Fraga como vilão, ele também não é vilão.
Mas os dois só podem cumprir de fato um papel de salvar inocentes quando perceberem que, por mais que sejam homens diferentes, na essência eles são iguais. São só duas pessoas tentando ajudar uma cidade, preservar suas famílias e lutar por Justiça.


Enquanto, na ânsia de arrancar a "cabeça do monstro", enxergarmos um inimigo em alguém só porque pensa diferente em vez de prestarmos mais atenção em como esse alguém alguém age de fato, nos cegaremos voluntariamente para o verdadeiro inimigo: o Sistema. Ele é o "coração do monstro" que, enquanto existir da forma que existe, sempre garantirá que duas cabeças substituam a que for cortada.
No filme, Nascimento só vai se dar conta e sentir na pele essa realidade quando é atingido aonde dói mais, no seu coração.

Tropa de Elite 2 parece existir pra responder a muitas perguntas do primeiro que sempre começariam com as palavras "E se...":

E se as pessoas interrogadas e torturadas pelo BOPE realmente não soubessem de nada?
E se a família de Nascimento virasse alvo também?
E se o filme mostrasse os crimes que ocorrem nos palácios como mostra o que ocorrem nos morros?
E se o treinamento de Nascimento com Matias fosse tão perfeito que ele perdesse o controle?
E se o conservador Nascimento encontrasse um liberal tão eloquente quanto ele?
E se Nascimento desse voz aos seus pensamentos em público?


Essa última pergunta é respondida logo após uma catártica surra num corrupto do alto escalão (e poucas vezes eu vivenciei uma platéia sentindo o prazer de uma violência justificada como nessa cena), no clímax do longa metragem, quando Nascimento usa uma outra arma na sua luta: a palavra.

O discurso dele na CPI já entrou pra história do Cinema e tem um momento particular que realmente o torna inesquecível quando, em meio a uma série de denúncias que não poupam ninguém, nem a si mesmo, o protagonista fala:

"Uma vez o meu filho me perguntou se o meu trabalho era matar... e eu não sabia o que responder pra ele."

Tropa de Elite 2 entra pra História e nos deixa com uma reflexão profunda sobre o mundo atual e uma crítica não só a esse governo, mas a todos os governos, com um belo e devastador final com a câmera sobrevoando Brasília. Como Nascimento diz:

"O Sistema é foda, parceiro!"

3 comentários:

ZED IS NERD disse...

CRÍTICA FODA, PARCEIRO!

Abs!!!
www.vemaquinomeublog.blogspot.com

Renver disse...

Interessante que o Capitão Nascimento e o Fraga são idealistas segundo o seu respectivo ponto de vista... e diga-se de passagem ambos são muito eficentes!!!

Que pena que demoraram pra se unir...

E os políticos são muito espertos conseguiram passar um balão até no Capitão Nascimento!!!

E Nerdcast sobre Tropa de Elite não é legal, eles são muito bons, mas esse assunto não fica bom com eles!!!

Renver disse...

Eu nunca achei que o filme quisesse passar essa mensagem ou mesmo que quisesse determinar que o ponto de vista conservador de Nascimento fosse o certo. Por isso fiquei feliz quando descobri que tanto o diretor José Padilha quanto o intérprete do protagonista, Wagner Moura, também pensavam assim e com esse conceito em mente criaram uma espetacular sequência. [2]

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Enquanto o cinismo e a visão retrógrada de algumas pessoas sobre a política do Brasil as impede ver algo mais do que uma continuação de esquerda de um filme de direita [2]

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Infelismente muitas pessoas só focaram a violência no primeiro filme (vide Azagal!!) assime esse filme foi um soco no estômago desses também!!!!

Acho que aquela parte que o povo aplaude o Nascimento no restaurante foi uma crítica/refenrêcia ao "desejo" de sangue do telespectador.

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