sexta-feira, 7 de junho de 2013

Por Que Don Rosa Parou?

por
Corto de Malta
 
Em carta aberta, Don Rosa explica porque parou de criar histórias em quadrinhos.



Keno Don Rosa é um dos maiores criadores de quadrinhos vivo. Considerado nas HQs Disney o sucessor do grande cartunista Carl Barks (criador do Tio Patinhas, Professor Pardal, Gastão, Escoteiros-Mirins, Irmãos Metralha, Maga Patalógika, Patópolis e quase todo o universo que envolve o Pato Donald) Don Rosa ficou mundialmente conhecido quando escreveu e desenhou A Saga do Tio Patinhas, que contava como o jovem Patinhas adquiriu através de grandes aventuras a maior fortuna da ficção.

Além disso, ele criou momento memoráveis envolvendo o velho muquirana e toda a Família Pato. Poucas vezes alguém pegou personagens Disney e os revestiu com tantas camadas de Humanidade.


Eu praticamente virei fã de quadrinhos porque um dia meu pai comprou um Almanaque Disney com a história De Volta a Tra-La-Lá, onde Don Rosa fazia uma homenagem a uma história original clássica de Barks e também fascinava os leitores com uma sátira repleta de tiradas culturais sobre Marco Polo, o Imperador Kublai Khan e a cidade perdida de Shangri-Lá.

Mas agora ele diz que está cansado. Numa carta aberta escrita aos seus fãs em fevereiro, Don Rosa explica o porquê de sua aposentadoria prematura, seu estado de saúde, e seus problemas profissionais com editoras que publicam a Disney em todo o mundo, incluindo a Editora Abril.

A carta deveria estar no final do volume Don Rosa Collection - que reúne sua obra - mas foi vetada pela Disney e pela Editora Egmont. Ele então, publicou na internet. A carta é enorme, mas nela o artista lista os 5 motivos que o fizeram párar:



 #5
Ele trabalhou e estudou durante toda a vida seja na empresa da família, na faculdade, ou nos quadrinhos e jamais teve férias e nem tempo pra uma vida social saudável. Mesmo agora, aposentado, ele ainda trabalha todos os dias cuidando de sua fazenda.

#4
O fato de se tornar popular o fazia ser convidado para muitos eventos na Europa, o que ocupou tempo do seu trabalho, fazendo-o receber menos dinheiro que outros artistas, já que produzia menos por causa disso. Essa popularidade também o fez consumir muitas horas por dia respondendo inúmeros emails de fãs (e até enviava desenhos a eles) já que não podia pagar a alguém pra fazer isso. A coisa cresceu tanto que ele decidiu párar de responder a todos os emails para não ser obrigado a ter que selecionar uns em detrimento de outros.

#3
Descobriu que sofria de depressão. Ir a um psicólogo ajudou a resolver grande parte do seu problema mas não todo ele, já que a depressão era causada pelas razões 1 e 2.

"Outra forma para entender essa depressão foi assim: há dois extremos de um trabalho ... a melhor coisa possível sobre o seu trabalho, em oposição a pior coisa possível sobre o seu trabalho. A melhor coisa possível é que você ama seu trabalho com cada fibra do seu ser, você pensa nisso dia e noite, você vive-o a cada momento, você vê isso como a missão de sua vida, que consome cada grama de sua paixão. Isso é o quê a criação dos quadrinhos dos Patos foi para mim. E qual é a pior coisa possível sobre um trabalho que você tem? Estranhamente ... pode ser a mesma coisa."


 #2

Don Rosa sempre sofreu de miopia, que avançou com a idade. Entre 2006 e 2008 seus problemas de visão foram se agravando a ponto dele ter que desenhar com o nariz tocando a prancheta, até que sofreu um descolamento da retina do olho esquerdo. Ele teve que se submeter a uma cirurgia de emergência e quase ficou permanentemente cego. O processo de recuperação foi doloroso e durou 2 meses, deixando cicatrizes. Um olho ficou desnivelado do outro em cerca de 10 graus. Segundo ele, poderia até colocar um tapa-olho e seguir desenhando... não fosse pela razão 1.

#1

O Sistema Disney nos quadrinhos é ainda o mesmo do tempo de Carl Barks, algo que Don Rosa considera arcaico. Eles terceirizam tudo, os desenhistas, roteiristas, ilustradores etc. são todos free-lancers contratados por editoras que licenciam os personagens Disney. Eles recebem uma taxa fixa por página e nenhum desses artistas tem direito a royalties, não importando quantas vezes esse trabalho foi reproduzido por outros editores ao redor do mundo.

"Todos os autores do livro, músicos, atores, cantores, não cartunistas da Disney, mesmo as pessoas que atuam em comerciais de TV ... todos eles recebem royalties pelo sucesso que merecem. Mesmo a Disney paga royalties normais para os criadores e artistas em seu próprio Cinema, TV, Livro e empresas de Música. Tão perto quanto eu posso dizer, me corrija se eu estiver errado, mas são só os criadores de quadrinhos Disney que não têm chance de receber uma parte dos lucros do sucesso do trabalho que eles criam."



Don Rosa diz que não tencionava ficar rico fazendo quadrinhos Disney e que até se orgulhava de ver seu nome na capa das histórias. Isso começou a mudar quando outros países começaram a  produzir edições, especiais de álbuns, calendários, edições especiais em capa dura etc... tudo sendo vendido só com histórias de DON ROSA e ele começou a ser chamado pra turnês promocionais pra ajudar a vender esses livros sem receber um centavo pelas vendas. Ele diz que foi especialmente desagradável quando descobriu que os fãs europeus pensaram que ele era milionário e que se sentiu um idiota por isso.

Mas a coisa piorou e tornou-se escandalosa. Uma edição de Tio Patinhas #1, por exemplo, passou a se chamar Don Rosa #1. O Calendário Pato Donald se transformou em Calendário Don Rosa. E nenhum editor nunca enviou sequer uma cópia de cortesia pra ele, nem se preocupavam em avisar quando lançavam um produto utilizando seu nome.



O artista então contratou um advogado que registrou o nome Don Rosa por toda a Europa e a América do Sul. Afinal, as histórias dele eram de propriedade da Disney, mas o nome dele não. E algumas dessas edições, segundo Don Rosa, apresentavam erros de colorização, letreiramento etc., problemas de qualidade do material apresentado os quais ele não tinha controle, sem que os fãs soubessem disso. Ele então passou exigir não royalties, mas uma taxa anual pelo uso do seu nome, metade do que teria sido sugerido pelo seu agente.

 A Egmont - editora dinamarquesa que é sua empregadora direta - aceitou prontamente. Aliás, ele faz questão de esclarecer que nunca teve problema nenhum com ninguém de lá. Os outros editores que republicam o material, porém, se recusaram a aceitar a condição de só produzir os trabalhos com o nome dele com sua permissão. Passaram então a NÃO dar crédito nas histórias publicadas em edições comuns e, obviamente, extinguiram os especiais. Isso aconteceu na França, Brasil, Holanda, Itália, Grécia, Indonésia, entre outros países, que continuam reimprimindo seu trabalho e ele só fica sabendo por meio dos fãs. Isso matou seu entusiasmo.



Aqui vale lembrar que o problema dele com Editora Abril no Brasil foi tornado público, um tempo depois que ele esteve aqui pra autografar A Saga do Tio Patinhas - que sim, tinha o nome dele na capa. Digamos que o pessoal da Abril não ficou nem um pouco feliz com a atitude dele, apesar de - e como consumidor eu sou testemunha disso - terem feito um GRANDE trabalho de marketing com o nome Don Rosa lá pelos anos de 2006, 2007.

Lembro bem disso porque anos antes a Abril tinha perdido os direitos de publicação das HQs da Marvel e posteriormente da DC no Brasil para a Panini. Em janeiro de 2007 a Turma da Mônica também foi pra Panini. Foi quando a Abril investiu nas HQs Disney mais do que nunca e consequentemente investiu no Don Rosa pra alavancar suas vendas mais do que nunca. Saíram muitas edições com os dizeres "História de Don Rosa" nas capas, mais do que com qualquer outro autor. Ainda tenho algumas dessas edições.


Na conclusão de sua carta, Don Rosa diz que agradece aos fãs, afinal graças a eles realizou seu sonho de infância. Hoje está casado e feliz, mesmo não levando uma vida de luxo - ele tem o mesmo carro desde 1978 e um amigo conseguiu vender parte de sua coleção de quadrinhos para que o cartunista pudesse pagar a hipoteca da casa.

Alguns fãs lhe sugeriram criar um personagem "seu" para que pudesse lucrar com ele e ele explicou:

"Qualquer personagem que eu poderia criar na próxima semana ... eu não teria crescido com esse personagem. Eu não me importo com ele. Minha emoção é na criação de histórias sobre personagens que amei por toda minha vida. Eu sou um fã."
Um desses fãs fez um documentário por volta de 2010 sobre Don Rosa, esse artista cujas histórias vão deixar tanta saudade. Veja o trailer abaixo:



Um comentário:

Unknown disse...

A indústria de quadrinhos e a falta de respeito com quem faz ela se mover.

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